sexta-feira, 31 de maio de 2024

[CONTO] A profecia

 Serra do Lago, 2007.

Esta é uma história de Celso Alencar inspirado no Cenário "Crônicas de Serra do Lago/O Sopro". 



                                      O braço putrefato que Helena arrancara de Agnes, é mergulhado em um aquário pelo padre Francisco, enquanto Jonathan o observa: — Senhor, isso é correto? — perguntou o bandido. 

— Serra do Lago tem mudado bastante — explicou o padre. —, por anos o que travou essa podridão foram às oito famílias, Marjourie era a nata de todas elas, mas agora ela está morta. 

O homem de fé percebeu a hesitação de seu subordinado: — Nenhum bruxo deste século voltou dos mortos, quando acontecer ela unirá as oito famílias de uma vez por todas. 

— Achei que o senhor odiasse os fundadores. 

— Odeio — respondeu Francisco. — do jeito que estão. Agnes foi um ótimo testa de ferro, as coisas vão se acalmar por aqui, então iremos a fase dois sem pressa. 

                                 Enquanto isso, na escola dos fundadores, Helena observa a bizarra decoração digna de um dia das bruxas com seus brilhantes olhos azuis. 

— O dia da profecia? — a loura deixou sua leitura escapar em forma de palavras, ao parar em frente a uma faixa. 

                              — Nunca ouviu sobre? — Sete perguntou e Helena acenou negativamente com a cabeça. — As oito famílias em uma bela noite presenciaram o embate de um anjo e um demônio. 

— E vocês fizeram um pseudo-dia das bruxas em cima dessa lenda? 

Helena perguntou fazendo força para não rir: — Acredite se quiser, bem eu vou ao banheiro. Até depois. — disse o garoto entrando em uma porta. 

— Helena! — Marisa vinda na direção da irmã. — Recebi a ligação dos pais do pessoal, todos eles sumiram! 

— Calma, acabei de falar com o Sete. — explicou à loura, recebendo o abraço da morena como se fosse puramente saudade. 

                            — Mas os outros sumiram, procurei por toda a escola! 

Helena olhou para a feição preocupada de Marisa e olhou para a porta do banheiro masculino: — Faz o seguinte, espera o Sete, eu tenho uma pista de quem sabe onde eles estão. 

— Espera! — Marisa ordenou ao ver sua irmã correr. — Para onde vai?

Helena correu sem dar atenção para Marisa, ninguém percebeu, mas a loura chorava e seu rosto ficava com um tom avermelhado, enquanto aumentava sua velocidade rumo à parte marginal da escola. 

Por lá, havia um grupo de cinco adolescentes reunidos em frente a um latão de lixo, em completo silêncio. 

                            — Estão me esperando? — Helena perguntou chamando a atenção para si. — Isso foi estúpido, é claro que estão. Olha para vocês, quietos e tensos, nunca fizeram isso? 

— Do que essa maluca está falando...

As gargalhadas fantasmagóricas de Helena interromperam uma menina de completar a pergunta: — Eu ameacei o líder de vocês e raptaram meus amigos e depois, me esperaram em uma área isolada da escola, vocês acham que eu sou idiota?! 

— Para falar a verdade. — Helena balbuciou evocando sua espada da luz. — Eu vou gostar do que vou fazer e vou gostar muito. 

 O garoto loiro precisou segurar o gordinho pela camisa, para que ele não fugisse, enquanto Helena partia para o ataque. 

      — Tiago! — brigava ele. — Precisamos lutar aqui, faça o que combinamos! Agora! — o gordinho juntou as mãos e evocou uma magia poderosa, um campo de força protegeu todos os seus amigos. 

— Perfeito, Ana, comece o encantamento! — o loiro ordenou vendo Helena desferir inúmeras espadadas na redoma que o protegia. 

— Vai demorar de dois a três minutos, da pra confiar na barreira? 

— Vou dar o máximo! — Tiago afirmou e assim, a amiga começou a cantar com palavras impronunciáveis. 

— Seus merdas! — Helena gritava. — Tudo que os separa de mim é essa coisa! — ela cuspiu na barreira e voltou a golpear a redoma. 

                                 Quer dizer que você acha história chata? — quem se lembrava era Tiago, do dia em que conheceu Helena. — Eu acho que quem não sabe a história, está fadado a repeti-la. 

— Ela está atacando o campo de força em um único ponto. — outro comentou vendo a loura incansável para entrar. 

— Vou dar tempo para a Ana! — O líder loiro exclamou mexendo em seu colar de pedras vulcânicas e fazendo o movimento de puxão para baixo, com uma força considerável. 

— Ficou maluco?! — Tiago gritou olhando o céu. — Vai nos acertar! 

— E daí? Estamos protegidos. — Helena ouvia-o, enquanto observava três bolas de fogo despencarem do céu e o por isso, ela teve que se afastar da redoma que seu colega de escola criou, rapidamente. 

A magia de Tiago estremeceu com o impacto, porém assim que as esferas tocaram o chão, Helena estava bem mais afastada e arfante. 

— Você viu aqueles saltos? — outra amiga perguntava. — Foi acima da equipe de ginástica, ela é mesmo humana? 

— Claro que é, vocês estão com med...

O líder se interrompeu ao ver Helena segurar a espada da luz em uma posição peculiar: — Tem como ela saber essa magia? — perguntou Tiago vendo-a sorrir. 

— Impossível, é um blefe e de onde ela tiraria forças? — o loiro indagava-se, tentando relaxar seu grupo. 

                                   — Lanterna de Wake! — Helena gritou e instantaneamente, disparou sua espada de luz como um projétil, na direção da redoma que Tiago conjurou. 

O campo de força estava enfraquecido devido ao impacto dos meteoros e se despedaçou jogando seus protegidos ao chão, como se eles tivessem sido levados por uma forte onda. 

— Que magia poderosa. — Ana parou de cantar, para reclamar. 

Helena buscava muito ar para respirar e curvava seu tronco para frente: — São preciso cinco de vocês, para me fazer suar. Geis...

                                              Uma esfera de luz trombou com as costas da loura e a jogou no chão, antes que ela pudesse concluir e depois a esfera se transformou em Jonathan.

— Seria problemático se ela falasse algo. — o bandido falava verificando que a bruxa estava desmaiada. — Fizeram um bom trabalho, eu nunca conseguiria vencer esse monstro. 

Quem tinha presenciado a luta e seu desfecho, era Renan um garoto com quem Helena saia, agora estava escondido. 

— Até mais crianças. — saudou Jonathan. — Foi um prazer. — ele se transformou em esfera junto da loura desacordada e saiu voando da escola, como se nada tivesse acontecido, enquanto os garotos comemoravam a vitória contra uma inimiga formidável. 

                                                                                Continua...


quinta-feira, 30 de maio de 2024

[CONTO] O Cotidiano de Breen - II

Arthur Ribeiro

Serra do Lago, 15 de Maio de 2006, 16:00.

O som da chuva batendo nas janelas era como um relógio em contagem regressiva. Era a típica tarde fria em que a pluviosidade se concentrava exclusivamente na região do Bosque dos Alves, enquanto o resto da cidade via céu limpo e nevoeiro. Monica Breen observava a tempestade se intensificar do conforto frio de sua sala de comando. A escolha de Serra do Lago, no Espírito Santo, havia sido estratégica. Após os escândalos de Guantánamo, ela sabia que precisava de um lugar discreto, pequeno, longe dos olhos da mídia americana. Ali, se algo falhasse, seria menos notado. Mas ultimamente, a preocupação tinha se transformado em um medo palpável. A situação com Arthur Brooklet e os karpovitas estava se aproximando de um limite perigoso.

A sala estava repleta de monitores, todos mostrando dados críticos. Em um deles, a transmissão ao vivo da cela esférica de Brooklet. Ele estava deitado, o olhar sereno, quase confiante. Uma dúvida perfurou a mente de Breen. "Seria tudo isso uma encenação?"

As palavras de Brooklet ecoavam na sua cabeça, como um espectro assombrando seus pensamentos: "Se você estivesse tão certa de sua vitória, não teria se dado ao trabalho de vir até aqui. Você não está me contando alguma coisa. E certamente isso te preocupa de algum modo."

Um arrepio subiu pela espinha de Breen. Determinada a confrontar seus medos, ela pegou o telefone e ligou para o Dr. Richard Montalban, um dos cientistas mais respeitados do departamento. "Encontre-me na sala de contenção da Hamington," disse, sua voz fria e resoluta.

Na Sala de Contenção da Hamington

A sala de contenção estava mergulhada em um silêncio quase reverente. O Dr. Montalban estava lá, ajustando os controles da máquina de escrever Hamington. O brilho pálido das telas criava sombras que dançavam nas paredes. "Doutora Breen," ele começou, hesitante, "não fizemos testes suficientes com a máquina. Ela só parece responder a um talento verdadeiro."

Breen respirou fundo, sentindo o peso do momento. "Ganhei o concurso de contos inspirados em Francis Scott Fitzgerald quando estava na faculdade," revelou, sua voz firme, mas carregada de memórias distantes.

Montalban olhou para ela, os olhos cheios de dúvida. "Muito bem," disse ele finalmente, "mas lembre-se, a máquina reage de maneira imprevisível. Se algo der errado, poderemos ter um problema ainda maior."

O último mover de peça:

Breen sentou-se diante da Hamington, a máquina de escrever que poderia ser sua salvação ou ruína. A intuição dizia que um avanço dos karpovitas contra a base seria uma armadilha. Chaya Sándor confiava em Ivan Petrov, mas o que ela não sabia era que ele era insano, paranoico, com uma mania de perseguição e traição. Esse era o ponto fraco que Breen precisava explorar.

Cada palavra que escrevia parecia ter um peso maior do que as anteriores. A luz azul fraca começou a emanar da Hamington, pulsando como um coração desesperado. As frases fluíam, tecendo uma narrativa que poderia mudar o curso dos eventos.

A luz azul da Hamington pulsava, iluminando o rosto de Breen enquanto ela digitava as últimas palavras. Sentia a tensão em cada músculo, mas também uma determinação feroz. Levantou-se lentamente, a luz diminuindo até desaparecer. As palavras no papel eram agora uma nova realidade, uma nova esperança.

quarta-feira, 29 de maio de 2024

[CONTO] Duzentos anos antes, três anos antes.

Esta é uma história de Celso Alencar inspirado no Cenário "Crônicas de Serra do Lago/O Sopro". 

Serra do Lago, 2007.



                       Um cemitério com muita lama e uma fina camada de chuva surgiu. Ao redor estavam inúmeras pessoas carregando tochas e no centro, o que seria um padre, com as mãos e pés pregados em um caixão que estava de pé.

— Jesuíta Agnes! — um dos homens lia uma carta. — Como se defende dos crimes de pedofilia e assassinato de vinte crianças, por beber seu sangue?

— Eu vou expurgar os fundadores de Serra do Lago e me deleitarei em cada gota de sangue deles que caminhar sobre a terra, até o fim dos tempos! — gritou Agnes encarando seus julgadores, com muito ódio.

O carrasco fechou o caixão e depois empurrou ao buraco, para que sete palmos de terra fossem despejados, sobre ele. Só depois de ler isso, Giulia fechou o livro da biblioteca de Guilhermina e saiu correndo.

     — Gente! — a garota abriu a porta do quarto de Marisa, onde estavam à própria, Helena e Alexandra. — Eu descobri quem ele é?

— Ele quem? — perguntou Helena, ainda penteando o cabelo.

— O vampiro que você lutou contra, viveu aqui, uns duzentos anos atrás. — enquanto Giulia contava, Marisa olhava fixamente para as suas próprias mãos, como que se buscasse uma solução.

                                              Se vocês tivessem se manifestado um pouco antes, eu não...

— Tem alguém ai? — Alexandra perguntou entrando no campo de visão de Marisa e a fazendo interromper seus próprios pensamentos.

— Eu sei que falar de vampiros é legal, mas vamos perder a festa. Será que só por uma noite podemos relaxar? — agora a ginasta perguntava a todas as presentes naquele quarto.

Quase não tem água benta, acho que dá para mais uma.

— Agora é a outra irmã! — Alexandra reclamava de Helena perdida nos pensamentos. — Vamos nos atrasar, por favor.

                                 Enquanto isso, nos fundos da igreja de Serra do Lago, o padre e seus três comparsas faziam uma espécie de ritual sombrio com sacrifício de três animais e uma mulher.

— Que a verdadeira herdeira dos Costa nos fale, por este cadáver.

— Um padre? — a voz de Majourie ecoou pela boca ensanguentada da morta e os três quase hesitaram. — Profanando sua igreja?

— O que está profanado são as famílias fundadoras, a começar pela sua. Sua mãe adotou uma criança e revelou seus segredos.  

Afirmou o homem de fé, até que a entidade perguntou com certa raiva na voz: — Quem é você, bastardo?

— Um padre. Que quer ver as elites, puras, como devem ser.

                                         Música alta e luzes brilhantes refletiam nos rostos de Helena, Alexandra, Marisa, Giulia e inúmeros convidados da festa. Até que o corpo de uma adolescente tombou pelas escadas.

A menina estava morta e ao terminar de cair uma correria e gritaria começaram: — Esperem. — pediu Helena segurando sua irmã e amigas.

As quatro se viram sozinhas e acima da escada, um homem descalço flutuava enquanto as olhava, era Agnes, o vampiro  que desta vez esbanjava uma invejável vitalidade.

                              — Giulia e Alexandra. — Helena chamava ao mesmo tempo em que evocava sua espada da luz e esvaziava um cantil. — Liguem as lanternas de todos os carros custe o que custar.

— Ta preocupada...

— Marisa! — gritou a irmã. — Desliga as luzes da festa.

— Eu me lembro de você, desta vez essa magia não conseguirá te salvar das minhas presas. — afirmou o vampiro ao ver as garotas se dispersarem e instintivamente, ele jogou Helena contra uma porta de vidro, com telecinese.

Espero que saiba o que está fazendo. — pensou Marisa com um pedaço de papel na mão. — Geist. — proferiu e todas as luzes da festa se apagaram, mas o vampiro gargalhou.

             — Não adianta! — gritou Agnes. — Essa coisa espalhafatosa te ilumina, como um lampião. — ele flutuava lentamente na direção da loura, que ainda se levantava.

— Para quem ficou duzentos anos em uma caixa, você é bem arrogante. O mundo mudou bastante, sabia? — Helena perguntava sorrindo para o monstro em sua frente.

— Do que você está falando? — indagou o vampiro percebendo a confiança da lourinha e pela primeira vez hesitando.

Helena diabolicamente gargalhou para irritar seu adversário, antes de responder: — Existe uma época do ano em que o sol nasce antes da hora, um conhecimento que você desconhece. O horário de verão!

                             Com a magia Geist, de Giulia e Alexandra os faróis de sete carros foram ligados diretamente na direção de onde Agnes estava e enquanto Helena gargalhava igual uma bruxa, o vampiro recolhia-se da luz temendo o fim de sua existência.

— Você é mesmo um gênio! — Marisa elogiava a irmã, colocando os óculos escuros sobre os olhos para se proteger de toda a claridade.

Helena corria na direção do vampiro, aquela era a brecha que ela estava esperando e empunhando sua espada de luz branca, armou um derradeiro golpe que precisaria ser certeiro.

                  Essa luz! — pensou o vampiro. — Não queima! — gritou conseguindo desviar do ataque da loura, mas ainda assim, seu braço esquerdo foi cortado pela metade e tombou a esquerda de Helena.

— Merda! — praguejou a bruxa quando se virava para trás e tinha a visão prejudicada pela luz das lanternas dos carros. — Geis...

Com a mão que ainda lhe restava, Agnes segurou a boca de Helena e a pressionou contra a parede com uma força considerável.

— Foi um belo truque — elogiava o vampiro. —, mas se não puder falar essa palavra, nada irá acontecer e aquelas outras já usaram esse mesmo poder! Acabou pequena!

— Irmã... — Marisa hesitava ao ver a espada de luz no chão e os caninos pronunciados de Agnes se aproximando do pescoço de Helena.

                              Não precisa terminar assim... — a voz da falecida irmã de Marisa, ecoava em sua mente, enquanto a vida da adotiva estava prestes a ser ceifada. — Com estes poderes, você poderia tê-lo salvado, assim como pode agora. Apenas liberte o seu poder.

Marisa ergueu as mãos na direção do vampiro e berrou como nunca antes na vida, no momento que lágrimas, decorriam por baixo dos seus óculos. A telecinese foi tão poderosa que Agnes largou Helena e começou a flutuar contra a sua vontade.

                       — Essa magia bruta... — assim que Marisa deu outro grito imoral, Agnes foi interrompido, já que seu corpo explodiu por conta da pressão que o poder da bruxa exerceu.

Helena arregalou os seus olhos azuis ao ver a irmã tombar exausta, depois do inimigo ter sido completamente aniquilado. Agnes, não passava de uma poça de sangue no assoalho daquela casa.
      

                                                        Continua...


segunda-feira, 27 de maio de 2024

[CONTO] Cotidiano de Breen - I

 Arthur Ribeiro

 Serra do Lago, 14 de Maio de 2006, 15:00.

Era uma sala branca  e sem quinas, praticamente redonda. Nela havia uma mesa de metal cromado com uma cadeira na frente e outra atrás. Ao lado dela, próximo ao limiar da parede esférica uma cama, e ao lado dela, mal oculta pela estrutura circular uma porta de deslizar. Não fosse por esses pequenos detalhes, aquele recinto se pareceria com um espaço branco adjacente infinito para todos os lados.

Arthur Brooklet estava já a quatro dias naquela prisão, fazia quatro dias que ele já não tinha mais a "Hamington" sob sua posse. Não que isso importasse, no plano de Brooklet, passar metade dos poderes da máquina para si era essencial, pois era o único meio de continuar extremamente relevante para conseguir escapar. Essa etapa do plano era a mais difícil, pois pela primeira vez desde que percebeu que poderia passar os karpovitas para trás, ele não tinha mais o controle quase absoluto das probabilidades, e para piorar, a presidente do DIX, uma mulher americana de nome Monica Breen, não deixou nem mesmo um lápis ou caneta a sua disposição. Fosse como fosse, restava a Brooklet confiar. Cedo ou tarde os karpovitas dariam as caras e, ao escrever na máquina, ele recebeu o influxo da realidade na sua mente, e graças a isso, ele sabia que prender Ivan Petrov, líder de uma célula karpovita na Europa Ocidental, era mais importante para o departamento do que mantê-lo sob custódia. Na mente de Brooklet era tudo uma questão de tempo. Mesmo que ele não pudesse mais escrever para manipular as probabilidades ao seu favor, ele havia plantado bem as sementes dos fatos e armado bem a cama da presidente do DIX. Cedo ou tarde a presidente Breen perceberia que não tinha escolha, se não barganhá-lo com a equipe do Oficial Souza.

O clique-claque de uma tranca digital é ouvido, e uma porta com uma circunferência complementar Às das paredes se desloca para fora dando entrada a uma mulher. Ele sabia que era a presidente do DIX, Monica Breen. Vê-la pessoalmente ali, deu-lhe ainda mais certeza de que seu plano estava funcionando bem.

- Senhor Brooklet, devo confessar que você é realmente muito ardiloso. Fizemos nos últimos dias alguns testes com a "Hamington", e neste momento a máquina de escrever está sob contenção. No entanto...

Breen cadenciou sua fala e puxou uma das cadeiras, sentando-se de frente para o escritor.

- ... notamos que a assinatura energética dela apresenta valores de xenorradioatividade muito menores do que as que deveria apresentar dado o grau de alterações que ela foi capaz de executar enquanto sob sua posse.

Brooklet sorriu sarcasticamente e falou:

- E o que eu tenho a ver com isso?

Breen respondeu o sorrisinho com outro enquanto sacava um tablet de seu sobretudo, e tornou a falar:

- Senhor Brooklet, não precisa se comportar como se tivesse tudo sob seu controle, porque mais cedo ou mais tarde, vai se dar conta de que por mais engenhoso que seu plano tenha sido, ele está cheio de buracos.

Brooklet continuou confiante enquanto ouvia as palavras da bela mulher do noroeste pacífico dos Estados Unidos.

- Bem senhor Brroklet, eu não nasci ontem e não cai nesse cargo de paraquedas. Nós já percebemos que a máquina é uma via de mão dupla. Você informa ao tecido da realidade o que você deseja, mas ela te devolve mentalmente as informações que você precisa conhecer pra escrever. É como se você baixasse todas as memórias de Deus sobre aquele pequeno local do espaço-tempo diretamente na sua cabeça na hora de escrever.

- É assim mesmo, senhorita Breen. Estou impressionado. - Falou ele enquanto colocava as mãos algemadas sobre a mesa reflexiva.

- Pois então. Se o senhor tivesse entregado a "Hamington" em seu estado original, nós simplesmente o entregaríamos a Inteligência do Brasil como mentor de assaltos a bancos, e eles garantiriam que você nunca mais retornaria a ver sua filha. E os karpovitas iriam atrás de outro escritor antes de tentar recuperar a máquina. Porém, tenho certeza que você transferiu parte dos poderes dela para outra coisa, outro objeto, em algum lugar que só você sabe onde está... Isso se não os transferiu para si mesmo. 

O rosto de Brooklet agora ficava sério.

Breen ergueu ainda mais seu sorriso e continuou falando. Ela claramente amava escutar a própria voz, especialmente nos momentos em que ela acreditava estar em posição de vantagem.

- É óbvio! Os karpovitas precisam da máquina, mas a máquina tem apenas metade de seus poderes, então para que ela cumpra os objetivos que Ivan Petrov deseja, ele precisará do escritor. E como você agora é um xenofenômeno, o DIX não pode simplesmente dar um sumiço em você. Você ganhou condições de barganha. E eu posso falar com uma certeza quase divina de que você está apenas esperando os karpovitas se organizarem para atacar a base para conseguir com isso condições de negociar a sua liberação.

Brooklet continuou olhando sério e silencioso para Breen.

- É um bom plano. Sério, mesmo. - Breen se levantou da cadeira naquele momento e começou a andar pela sela esferóide enquanto palestrava confiante:

- Mas não bom o bastante. Você abriu mão dos poderes plenos da "Hamington" cedo demais e não prestou atenção o bastante em todos os atores de sua estória. Ontem mesmo seu plano muito provavelmente foi por água abaixo e você nem se deu conta disso.

- Bobagem - Retrucou o escritor.

- Será? - Ironizou a executiva daquele departamento estranho - Sabe falar russo, senhor Brooklet?

- Um pouco, graças a máquina. - respondeu.

- Ótimo. Você vai adorar ouvir que a agente Sándor simplesmente botou seu plano abaixo ao mandar Ivan Petrov ir para casa.

- Você está blefando. - Agora as palavras do escritor mostravam medo.

Breen sorriu maliciosamente e clicou num botão na tela do tablet. A voz jovial de Chaya e a inconfundível voz de Petrov começaram a soar na sala.  Brooklet foi se encurvando na mesa conforme ele percebia que a jovem havia batido todo o plano do DIX para os karpovitas e agora eles asseguravam que não iriam atacar a base.

- É tão bom ver seu sorrisinho debochado sumir dessa sua cara de bebedor de chá das cinco. - Disse ela absolutamente radiante. - Nunca gostei de britânicos. Shakespeare foi um trauma pra mim no colegial.

Brooklet olhava aparentemente perdido para o próprio reflexo na mesa.

- Você se focou de mais no cabo Souza. Ele é um homem disciplinado, acostumado a vida numa hierarquia onde respeito aos superiores é um lema e um modo de vida. Mas se esqueceu da agente Sándor, ela é um turbilhão, um bater de asas de uma borboleta no Brasil que causa um furacão na Irlanda. Foi quase, Brooklet. Foi quase. Mas não será dessa vez que você vai rever sua filha.

Brooklet levantou seus olhos furiosos para Breen ao ouvir a frase por ela proferida. Na sua mente, apenas os olhos azuis de Claire, idênticos aos seus, e as maçãs no rosto pronunciadas como a de sua falecida esposa apareciam. Se ele não estivesse algemado, ele a mataria naquele momento.

- O que foi? Não vai falar nada? Nenhuma tirada confiante? - Provocou a presidente.

- Se você estivesse tão certa de sua vitória não teria se dado ao trabalho de vir até aqui. Você não está me contando alguma coisa. E certamente isso te preocupa de algum modo.

Agora era Breen que fechava os lábios debochados.

- Não poderia esperar menos de você, senhor Brooklet. Mas isso não muda o fato de que, a não ser que Petrov cometa um erro capital, o senhor vai ficar aqui por um bom tempo. Aliás... Aproveite a estadia e seu novo nome. - E ao dizer isso, Breen virou a tela do tablet para o escritor revelando uma foto dele um número: R2-X1147.

- E quanto a Claire? Ela está bem? - Perguntou Brooklet.

- Fique tranquilo quanto a sua filha. Ela ainda está sob a tutela do Souza. Ela vai ter uma ótima vida ao lado deles. Policiais promovidos em suas patentes são bem remunerados no Brasil, e ao que tudo indica ele vai se casar com a subtenente Ahien, então, ela terá uma ótima vida e educação neste país.

Breen se sentou novamente e olhou nos olhos de Arthur.

- R2-X1147... Nunca houve ou existiu nenhum cenário em que você pudesse sair livre, leve e solto para viver a pacata vida de papai escritor que mora nos subúrbios de Newcastle upon Tyne com sua filhinha. Jamais. Ninguém olha  "A Verdade" nos olhos como nós dois olhamos e volta a viver num mundo normal.

- Que verdade? - Perguntou o escritor.

- A de que este planetinha azul, que existe nesse universo regido por leis físicas absolutamente previsíveis não passa de uma pequena bolha, como uma delicada bolha de sabão, boiando na superfície de um mar escuro e tempestuoso, onde tudo que se esconde nas infinitas trevas aquosas desse mar, existe apenas com a finalidade de estourar essa frágil bolha. E você sabe qual a única barreira que impede isso, R2-X1147?

- Não. - Ele odiava ser chamado por esse número.

- É este Departamento. No momento em que você saísse por aquela porta, coisas muito piores que Ivan Petrov iriam atrás de você. E tenho certeza de que você não quer sua adorável Claire na reta disso tudo.

Brooklet silenciou-se. Enquanto Breen empurrava a cadeira e saía da sala. "Passar bem" foi sua despedida.

[CONTO] Reunião familiar.

Esta é uma história de Celso Alencar inspirado no Cenário "Crônicas de Serra do Lago/O Sopro".  

Serra do Lago, 2007.

                                                Os olhos de Guilhermina brilham ao ver Marisa levitar uma rocha de uns trezentos quilos, com Helena sentada, há uns dois metros do chão. Usando apenas seus poderes.

— Isso é incrível! — a loura elogiava. — Falando de magia bruta, é a mais forte que eu já vi! — concluía para a irmã.

Não acredito que seus poderes se manifestaram tão tarde, olhando assim até parece a Marjoure, não. Acho que a sua essência é completamente diferente dela. — Guilhermina pensava olhando a filha.

— Ta pesada! — Marisa reclamava. — Sai de cima!

Helena saltou de cima da rocha e quando a irmã foi tentar colocar o pedregulho no chão, apenas o deixou de forma truculenta. A grama afundou um pouco, já Marisa, buscava ar para respirar.

                                      — Pode-se dizer que nossos poderes são tanto uma extensão física, como emocional. A melhor coisa que você tem a fazer é estudar, na verdade, isso serve para as duas. — avaliou a mãe.

— Espera um pouco. — Marisa pedia. — Hoje nós temos uma festa.

— Temos? — Helena indagou-se quase como se não se importasse.

— A equipe de ginástica vai comemorar a classificação para o estadual, até a Alexandra vai. Que tal a minha irmã me acompanhar?

 Guilhermina ouvindo a pergunta de Marisa sorriu e disse: — Podem ir e aproveitem a sexta, mas voltem antes da meia noite.

                          Francisco, o atual padre de Serra do Lago, incomoda-se ao ouvir o choro de um bebê no meio da noite. O homem de fé levanta-se e vai até o barulho, onde de relance, vê a nefasta criatura prestes a se alimentar.

— Agnes, é você? — o vampiro hesita depois de ouvir seu nome de batismo. — Eu estava esperando a sua volta. — comentou o padre.

— Como sabe quem eu sou? — perguntou Agnes.

— Você tem a sua cruz e eu a minha, mas essa criança é uma inocente, não precisa matá-la. — Francisco aconselhava.

 — Ela é uma descendente das famílias fundadoras, cada fibra do seu ser carrega o fardo da culpa. — Agnes rebatia deixando transparecer todo o seu ódio.

              — Ficar trancado em uma caixa, por duzentos anos só poderia te transformar nisso, mas que tal nós nos ajudarmos? — perguntou o padre, fazendo o vampiro hesitar.

— O que você poderia ter que eu queira? — Agnes rebateu com outra pergunta, quase como se confrontasse o homem de fé.

— Eu batizei todas as pessoas de Serra do Lago, então até as famílias fundadoras tem fichas aqui. Pode pegar a informação que quiser em troca de um pequeno favor. — o padre sorriu maliciosamente.

            — A filha adotiva de uma oligarca da região, me chamou muita atenção e eu gostaria de estudá-la, não me importa que esteja viva.

— E como eu vou saber quem é essa? — perguntou o vampiro, ainda com o bebê em suas mãos.

— Porque é a primeira família a quem lhe darei informações, mas saiba que ao destruí-las irá libertar uma calamidade sobre este lugar.

— Padre — chamou o vampiro. —, eu não me importo, me dê o nome da pessoa que quer que eu te traga.

O padre sorriu e disse: — Helena Costa, filha adotiva de Guilhermina e irmã de Marisa. Eu acho que nós vamos nos dar muito bem. 

sábado, 25 de maio de 2024

[CONTO] História dentro da História - Epílogo

Arthur Ribeiro

 Serra do Lago, 11 de Maio de 2006, 17:15.


Maio era um mês que da perspectiva de Rodrigo, em Serra do Lago, era uma novidade. Porque, acostumado ao sempre quente e ensolarado Rio de Janeiro, aquele seria o encaminhamento do seu primeiro inverno em Serra do Lago, e o frio já começava a se avizinhar, ainda que fosse o último mês do outono.

Os outrora verdes plátanos plantados às margens da Avenida Beira-Lago já davam sinais de vermelhidão e algumas folhas já começavam a cair. E embora o inverno tendesse a ter tempo estável e claro naquela cidadezinha, ainda chovia eventualmente no outono. E este era um daqueles dias.

Sentado numa poltrona no apartamento de Beth, ele via a mulher que amava tentando ensinar a criança, agora identificada, Claire Brooklet, suas primeiras palavras em português, embora sua mente estivesse perdida em indagações sobre o quão apropriado ou não era aquilo tudo. Na verdade, por vezes, o som das gotas d'água que acertavam furiosamente as telhas de terracota se misturavam aos sons da voz de sua amada e daquela criança.

- Isto é água! - Dizia Beth apontando para um copo d'água.

- Water? - Questionou a menina, na dúvida se ela se referia ao copo ou a água.

Beth molhou o dedo no copo e agitou, na sequência, sorrindo, falou: - Água! 

A menina, que não era boba nem nada, entendeu:

- Aahgoa - Falou ela, lutando com os fonemas da última flor do lácio.

- Isso! Muito bem! - A voz de Beth transmitia alegria.

Rodrigo olhava pensativo, sua dúvida principal era o que fazer com a menina. embora sempre tenha desejado ser pai, sabia que não era o pai da menina. E preocupava-o ver Beth se comportar de maneira tão maternal com uma criança que no segundo seguinte, poderia não mais estar ali. Isso a arrasaria.

Irritado, se levantou e foi até a sacada. De lá, observou o canal dos eucaliptos recebendo calmamente as gotas que eram choradas pelas nuvens, enquanto uma brisa calma, anunciava para logo mais, uma noite que deveria baixar aos 10ºC. Em meio a uma bufada, seu telefone tocou.

Número desconhecido.

Rodrigo já estava na cidade a tempo o bastante para saber que ninguém, fora as oito famílias, escondia nada de ninguém. Era o tipo de cidade pacata onde todos se conheciam. Não havia motivação para um número desconhecido. Ele apertou um botão no celular, e imediatamente ele começou a gravar.

- Alô - Disse ele Rodrigo, com voz mórbida.

- Cabo Souza. Ouça com atenção. - A voz era feminina e soava com um sotaque americano - Tenho observado você, a delegacia, e sua aliança tácita com Helena Schimirtzer Costa. Ou deveria chamá-la de Chaya Sándor? Enfim, sabemos que ela é uma agente do Serviço Federal de Informações da Alemanha, e sabemos também que ela fez um acordo com Ivan Petrov, líder de uma célula karpovita que está por detrás do sequestro de Arthur e Claire Brooklet, e dos assaltos que tomaram sua cidade de surpresa.

- E o que tem isso?

- O que tem? - A voz gargalhou. - O que tem é simples: Esse acordo dela vai dar errado. No momento seguinte que entregarmos escritor, ele vai se recursar a escrever os assaltos, ele é apenas um pobre coitado que calhou de fazer sucesso no momento errado. A vida é assim, Souza! Num belo dia você é o próximo Tolkien. No outro você está trabalhando para criminosos debaixo da ameaça de uma arma. Sabe o que vai acontecer se não aceitar o nosso acordo? O que vai acontecer é que vocês vão ser forçados a lutar contra os karpovitas, que dessa vez virão atrás de vocês e também dessa cidadezinha muito melhor armados, e não com um bando de amadores, como da última vez. Você e nem ninguém quer que isso aconteça. Então, vou te dar uma escolha: E é simples.

- Que escolha?

- Já temos a "Hamington", não nos importa muito o escritor. Vamos libertá-lo se vocês quiserem ele.  Queremos Petrov e sua horda. Ele vale muito mais para nós do que o escritor. Mantenha o plano de Cháya até os acréscimos da prorrogação e confie em nós, nós somos o golden goal. Não conte nada a ela. Deixe que ela venha até nós, e no momento em que soltarmos o escritor, você verá os karpovitas se voltar contra vocês, e nesse very moment, eu colocarei meus 200 melhores homens de segurança da superfície em defesa de vocês. Xeque-mate! 

Rodrigo solta um riso sarcástico e volta a falar:

- Você me pede para confiar em você. Mas me liga com um número secreto e eu nem nunca vi seu rosto. Que garantias eu tenho de que vai cumprir sua parte do acordo?

- Nenhuma. Pense bem... A Cháya é esquentada, você é a voz da racionalidade. No momento em que vocês derem às costas, eles os trairão, você pode escolher ter uma carta na manga ou não contra os karpovitas. Essa carta é a carta do Departamento.

Rodrigo olhou pra sala, onde Beth animadamente ensinava Claire a palavra lâmpada em português, enquanto apontava para a luz da sala. Ela parecia feliz, completa, de uma forma que nunca esteve.

- Não me importo com o escritor, façam o que bem quiserem com ele. Quero apenas vingança pelo que fizeram a Beth. - Respondeu Rodrigo com voz seca.

A voz feminina gargalhou novamente.

- Parece que te julguei mal, cabo Souza. Você pegou afeição pela menininha, não é? Diga-me, sua noiva está a tratando como se fosse mãe dela, não está? Hahaha.

Rodrigo engoliu as risadas a seco, como se fosse uma provocação, seu desejo mais profundo era usar de tantos impropérios quanto possíveis para ofender a mulher estrangeira na linha. Mas ela tinha razão, isso era inegável.  

- Olha, não podemos manter Arthur Brooklet em custódia, ele é cidadão britânico e não queremos confusão com o país mais importante da OEA. E ele é o pai da menina. Se quiser se resolver com ele, matá-lo, faça como quiser. Mas ele não estará sob a nossa responsabilidade caso aceite o acordo.

- Eu aceito.

A voz silenciou-se do outro lado.

- Alô. Vocês ainda estão aí? - Perguntou Rodrigo. Logo a voz feminina, em tom debochado retornou:

- Rapaz esperto...

A seguir, ouviu-se um claque-clique, e depois ainda, apenas o som monotônico do telefone desligado: "Tu, tu, tu". Quem quer que fosse, havia desligado. Deu-se satisfeito com o aceite de Rodrigo. Rodrigo baixou o celular em dúvida se tinha feito a coisa certa, e olhava o escurecer do céu nublado atrás dos montes cobertos em eucaliptos com olhar preocupado. A voz de Beth o despertou de suas inculcações.

- Amor, tudo bem?

Rodrigo olhou para trás, e viu Beth de pé, atrás da menininha, seus braços gentis estavam posicionados sobre os ombros da menina, quase como se a estivesse abraçando - ou protegendo - os olhos de Beth transmitiam ternura, mas também insegurança.

- Está tudo sim, meu bem.

FIM.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

[CONTA] O Sopro

Esta é uma história de Celso Alencar inspirado no Cenário "Crônicas de Serra do Lago/O Sopro". 


Serra do Lago, 2007.

                                      Marjourie observa o reflexo do rosto da irmã que possuiu, enquanto ainda está de frente para o espelho e pensa:

Irmãzinha, eu sinto que no âmago de sua essência, ainda não desistiu, mas você não era assim. O que aconteceu com aquela garota fraca?

— Filha! — dona Guilhermina entrou pela porta do banheiro. — Viu a sua irmã? Ela sumiu.

Marjourie hesitou ao ver sua mãe, uns anos, mais velha e no fim respondeu: — Dormindo, já ela acorda.

— Deixa ela descansar salvar aquelas pessoas do vampiro, deve ter sido cansativo demais. — afirmou a anciã, fazendo carinho no cabelo da filha, mas sem bagunçar sequer um fio de cabelo.

Vampiro? — Marjourie pensou sem entender nada. — Isso não importa tanto, ainda não controlo o corpo da Marisa completamente, preciso esmagar a consciência dela.

                             — Mãe eu vou meditar um pouco, não deixa ninguém me atrapalhar. — disse a pequena correndo para a biblioteca.

— Desde quando você medita? — dona Guilhermina se perguntou, mas não fez tanta questão de indagar a filha.

                            Marjourie praticamente se escondeu na biblioteca, ela era tão experiente em magia, que apenas com sua meditação conseguia acessar o Oníron, mais precisamente onde Helena estava.

— Que coisa lamentável — a bruxa balbuciava enquanto que naquela dimensão, voltava a ter seu corpo, olhava para a loura presa em uma maca por cordas grossas. —, você é apenas um animal adestrado.

Helena gritava na direção de Marjourie, no instante em que médicos alemães furavam algumas de suas veias.

— Se não consegue sair disso, não devia nem se considerar uma bruxa, se me der licença. Vou visitar minha irmã.

                                A chorosa Marisa, ao longe vê uma adolescente que se parece em parte com a mesma: — O que foi irmã? — perguntou para a filha mais nova de dona Guilhermina. — Por que não desiste?

— Você sabe o que a mamãe sempre quis, não sabe? Que eu nunca tivesse morrido nem você nem aquela aberração em forma de criança podem sanar essa demanda, mas eu consigo. Apenas durma.

— Mamãe? — Marisa se lembrava de Guilhermina. — Ela não sabe o que aconteceu aqui...

— Faz diferença? — Marjourie interrompeu a irmã, sem remorso algum, enquanto sorria.

— Nossa mãe, sempre vai preferir a mim, não importa o quanto me imite. Você nunca saberá magia e nunca, será eu.

           Marisa, Marisa? — a irmã menor lembrava-se da voz de Helena. — Você não precisa se diminuir para caber em lugares pequenos, sabia? — era uma conversa que elas tinham tido no carro da família.

— O que é isso Marisa? Você ousa ficar de pé diante da minha presença? — Marjourie perguntou-a, com certa irritação.

Você pode ser uma bruxa baseando-se em runas! — Marisa sorriu ao lembrar-se do conselho da irmã adotiva e disse para a mais velha: — Eu não sou a filha que ela quer, mas a que ela tem!

— Ora sua garota desaforada! — Marjourie se transformou em adulta para encarar a irmã. — Nem aquela coisa presa em um corpo de criança pôde comigo, o que te faz pensar que conseguirá? 

                             — Helena é uma irmã melhor do que você jamais tentou ser, a mamãe ficou muito feliz e sinceramente, eu também. Sabia que ela me ensinou um feitiço? Lembra que as palavras tem poder?

— Só para quem sente magia e não é o seu caso. — Marjourie acusou.

— Vou te ensinar uma palavra nova! — Marisa exclamou. — Geist!

Marjourie arregalou os olhos ao ver que sua irmã menor se afastava rapidamente, depois de soprar na direção dela: — Que magia é essa?

Já Marisa, definitivamente despertava na biblioteca de sua casa e gritou aos quatro ventos: — Eu venci! — ela brandia os braços para cima.

— Derrotei a minha irmã? — perguntou-se. — Essa empolgação e sensação de poder. Por acaso, é magia?! — Marisa indagou-se.  

quarta-feira, 22 de maio de 2024

[CONTO] Lembranças do Oníron

Esta é uma história de Celso Alencar inspirado no Cenário "Crônicas de Serra do Lago/O Sopro". 


Serra do Lago, 2007.

                                          Marisa e Helena observam um descampado, inundado por uma série de bolhas com um castelo medieval ao fundo e ambas as irmãs, sorriam uma para a outra.

— Deu certo! — exclamou Marisa animadamente.

— Claro que deu — afirmou Helena. —, assim como no meu primeiro dia aqui. Vamos treinar tudo bem?

— O que? Aqui? — Marisa perguntou quase que sem entender nada.

— Eu percebi que nessa dimensão tudo fica aflorado, então enquanto dormimos você talvez desperte poderes.

Marisa fechou os olhos, até que as irmãs ouviram outra voz: — O conceito é muito bom, você se parece muito com a Dani, mas ainda é ingênua. — completou se referindo a Helena.

              Uma morena de cabelos curtos sorria para ambas, até que Marisa se escondeu atrás de Helena e balbuciou: — Marjourie?

— Incrível não é? — a falecida filha de dona Guilhermina perguntava enquanto abria os braços. — Parte da minha consciência estava aqui, só esperando pela minha irmã mais nova.

— O que você quer com a Marisa? — Helena perguntou invocando sua espada de luz, instintivamente.

                   — Eu quero o corpo dela, saia da frente. — Marjourie ordenou criando quatro espectros estranhamentes ondulantes e escuros. Todas aquelas sombras atacaram Helena, desodernadamente.

A loura cortou todos os espectros com simples golpes, mas cheios de maestria: — É como olhar para uma versão pequena da Dani.

Marjourie balbuciou no momento que seus espectros se curavam e voltavam a atacar Helena que por sua vez gritava e uma batalha de dez, intermináveis minutos, começava.

                                        — Irmã! — Marisa gritou para a ocupada Helena, que a viu ser agarrada pelo pescoço por Marjourie, enquanto a loura era socada por uma sombra.

— Irmã? — perguntou-se a falecida. — quem ela é? — a bruxa, com o seu poder transportaram-as para as lembranças de Helena.

O Oníron se tornava em algum momento histórico da Alemanha nazista, com guardas da juventude hitlerista segurando Helena.

— Que tipo de aberração você é? — ainda segurando Marisa, Marjourie se perguntava. — Bem, não importa. Adeus, Chaya.

A bruxa olhou dentro dos olhos da sua irmã menor e vislumbrou o teto de seu quarto, para depois erguer a palma das mãos do corpo de Marisa.

— Consegui — balbuciou sentando-se na cama e ao olhar para o lado, viu Helena, dormindo, ainda presa no Oníron. —, poderia te matar agora mesmo, só que chamaria muita atenção.

                      A bruxa reencarnada saltou da cama para o chão, enquanto refletia: — Não tenho tanto tempo e essa daí vai demorar a acordar. A Marisa ainda é uma adolescente, mas deve ser o suficiente, para eu terminar o que comecei.

— Dessa vez — balbuciava se olhando no espelho. —, não levantarei suspeitas, talvez eu só mate aquele maldito atirador de flechas.

Enquanto isso, de frente para outro espelho, Rodrigo tirou seu uniforme policial para vestir a antiga roupa do vigilante conhecido como: O Observador.

— Coube direitinho! — exclamava tateando seu tórax e depois fazendo poses de halterofilistas, casualmente.

                              — Falavam que esse cara era um herói, aposto que teve um bom motivo para se esconder atrás de uma máscara.

— Tem Tanta coisa aqui. — afirmou o policial com certa tristeza ao saber que iria apreender todo o material do vigilante de Serra do Lago.

— E se eu for o Observador por uma noite, afinal tem aquele vampiro solto por ai, posso achá-lo com as câmeras!

Rodrigo exclamou animadamente.

                                                                        Continua...

[ARK] DIÁRIO

 Diário de Arthur Reese Koller 2 de outubro A bomba caiu no café da manhã: estamos nos mudando pra uma tal de ilha Drauka. Litoral, mar, bri...