Arthur Ribeiro
Serra do Lago, 14 de Maio de 2006, 15:00.
Era uma sala branca e sem quinas, praticamente redonda. Nela havia uma mesa de metal cromado com uma cadeira na frente e outra atrás. Ao lado dela, próximo ao limiar da parede esférica uma cama, e ao lado dela, mal oculta pela estrutura circular uma porta de deslizar. Não fosse por esses pequenos detalhes, aquele recinto se pareceria com um espaço branco adjacente infinito para todos os lados.Arthur Brooklet estava já a quatro dias naquela prisão, fazia quatro dias que ele já não tinha mais a "Hamington" sob sua posse. Não que isso importasse, no plano de Brooklet, passar metade dos poderes da máquina para si era essencial, pois era o único meio de continuar extremamente relevante para conseguir escapar. Essa etapa do plano era a mais difícil, pois pela primeira vez desde que percebeu que poderia passar os karpovitas para trás, ele não tinha mais o controle quase absoluto das probabilidades, e para piorar, a presidente do DIX, uma mulher americana de nome Monica Breen, não deixou nem mesmo um lápis ou caneta a sua disposição. Fosse como fosse, restava a Brooklet confiar. Cedo ou tarde os karpovitas dariam as caras e, ao escrever na máquina, ele recebeu o influxo da realidade na sua mente, e graças a isso, ele sabia que prender Ivan Petrov, líder de uma célula karpovita na Europa Ocidental, era mais importante para o departamento do que mantê-lo sob custódia. Na mente de Brooklet era tudo uma questão de tempo. Mesmo que ele não pudesse mais escrever para manipular as probabilidades ao seu favor, ele havia plantado bem as sementes dos fatos e armado bem a cama da presidente do DIX. Cedo ou tarde a presidente Breen perceberia que não tinha escolha, se não barganhá-lo com a equipe do Oficial Souza.
O clique-claque de uma tranca digital é ouvido, e uma porta com uma circunferência complementar Às das paredes se desloca para fora dando entrada a uma mulher. Ele sabia que era a presidente do DIX, Monica Breen. Vê-la pessoalmente ali, deu-lhe ainda mais certeza de que seu plano estava funcionando bem.
- Senhor Brooklet, devo confessar que você é realmente muito ardiloso. Fizemos nos últimos dias alguns testes com a "Hamington", e neste momento a máquina de escrever está sob contenção. No entanto...
Breen cadenciou sua fala e puxou uma das cadeiras, sentando-se de frente para o escritor.
- ... notamos que a assinatura energética dela apresenta valores de xenorradioatividade muito menores do que as que deveria apresentar dado o grau de alterações que ela foi capaz de executar enquanto sob sua posse.
Brooklet sorriu sarcasticamente e falou:
- E o que eu tenho a ver com isso?
Breen respondeu o sorrisinho com outro enquanto sacava um tablet de seu sobretudo, e tornou a falar:
- Senhor Brooklet, não precisa se comportar como se tivesse tudo sob seu controle, porque mais cedo ou mais tarde, vai se dar conta de que por mais engenhoso que seu plano tenha sido, ele está cheio de buracos.
Brooklet continuou confiante enquanto ouvia as palavras da bela mulher do noroeste pacífico dos Estados Unidos.
- Bem senhor Brroklet, eu não nasci ontem e não cai nesse cargo de paraquedas. Nós já percebemos que a máquina é uma via de mão dupla. Você informa ao tecido da realidade o que você deseja, mas ela te devolve mentalmente as informações que você precisa conhecer pra escrever. É como se você baixasse todas as memórias de Deus sobre aquele pequeno local do espaço-tempo diretamente na sua cabeça na hora de escrever.
- É assim mesmo, senhorita Breen. Estou impressionado. - Falou ele enquanto colocava as mãos algemadas sobre a mesa reflexiva.
- Pois então. Se o senhor tivesse entregado a "Hamington" em seu estado original, nós simplesmente o entregaríamos a Inteligência do Brasil como mentor de assaltos a bancos, e eles garantiriam que você nunca mais retornaria a ver sua filha. E os karpovitas iriam atrás de outro escritor antes de tentar recuperar a máquina. Porém, tenho certeza que você transferiu parte dos poderes dela para outra coisa, outro objeto, em algum lugar que só você sabe onde está... Isso se não os transferiu para si mesmo.
O rosto de Brooklet agora ficava sério.
Breen ergueu ainda mais seu sorriso e continuou falando. Ela claramente amava escutar a própria voz, especialmente nos momentos em que ela acreditava estar em posição de vantagem.
- É óbvio! Os karpovitas precisam da máquina, mas a máquina tem apenas metade de seus poderes, então para que ela cumpra os objetivos que Ivan Petrov deseja, ele precisará do escritor. E como você agora é um xenofenômeno, o DIX não pode simplesmente dar um sumiço em você. Você ganhou condições de barganha. E eu posso falar com uma certeza quase divina de que você está apenas esperando os karpovitas se organizarem para atacar a base para conseguir com isso condições de negociar a sua liberação.
Brooklet continuou olhando sério e silencioso para Breen.
- É um bom plano. Sério, mesmo. - Breen se levantou da cadeira naquele momento e começou a andar pela sela esferóide enquanto palestrava confiante:
- Mas não bom o bastante. Você abriu mão dos poderes plenos da "Hamington" cedo demais e não prestou atenção o bastante em todos os atores de sua estória. Ontem mesmo seu plano muito provavelmente foi por água abaixo e você nem se deu conta disso.
- Bobagem - Retrucou o escritor.
- Será? - Ironizou a executiva daquele departamento estranho - Sabe falar russo, senhor Brooklet?
- Um pouco, graças a máquina. - respondeu.
- Ótimo. Você vai adorar ouvir que a agente Sándor simplesmente botou seu plano abaixo ao mandar Ivan Petrov ir para casa.
- Você está blefando. - Agora as palavras do escritor mostravam medo.
Breen sorriu maliciosamente e clicou num botão na tela do tablet. A voz jovial de Chaya e a inconfundível voz de Petrov começaram a soar na sala. Brooklet foi se encurvando na mesa conforme ele percebia que a jovem havia batido todo o plano do DIX para os karpovitas e agora eles asseguravam que não iriam atacar a base.
- É tão bom ver seu sorrisinho debochado sumir dessa sua cara de bebedor de chá das cinco. - Disse ela absolutamente radiante. - Nunca gostei de britânicos. Shakespeare foi um trauma pra mim no colegial.
Brooklet olhava aparentemente perdido para o próprio reflexo na mesa.
- Você se focou de mais no cabo Souza. Ele é um homem disciplinado, acostumado a vida numa hierarquia onde respeito aos superiores é um lema e um modo de vida. Mas se esqueceu da agente Sándor, ela é um turbilhão, um bater de asas de uma borboleta no Brasil que causa um furacão na Irlanda. Foi quase, Brooklet. Foi quase. Mas não será dessa vez que você vai rever sua filha.
Brooklet levantou seus olhos furiosos para Breen ao ouvir a frase por ela proferida. Na sua mente, apenas os olhos azuis de Claire, idênticos aos seus, e as maçãs no rosto pronunciadas como a de sua falecida esposa apareciam. Se ele não estivesse algemado, ele a mataria naquele momento.
- O que foi? Não vai falar nada? Nenhuma tirada confiante? - Provocou a presidente.
- Se você estivesse tão certa de sua vitória não teria se dado ao trabalho de vir até aqui. Você não está me contando alguma coisa. E certamente isso te preocupa de algum modo.
Agora era Breen que fechava os lábios debochados.
- Não poderia esperar menos de você, senhor Brooklet. Mas isso não muda o fato de que, a não ser que Petrov cometa um erro capital, o senhor vai ficar aqui por um bom tempo. Aliás... Aproveite a estadia e seu novo nome. - E ao dizer isso, Breen virou a tela do tablet para o escritor revelando uma foto dele um número: R2-X1147.
- E quanto a Claire? Ela está bem? - Perguntou Brooklet.
- Fique tranquilo quanto a sua filha. Ela ainda está sob a tutela do Souza. Ela vai ter uma ótima vida ao lado deles. Policiais promovidos em suas patentes são bem remunerados no Brasil, e ao que tudo indica ele vai se casar com a subtenente Ahien, então, ela terá uma ótima vida e educação neste país.
Breen se sentou novamente e olhou nos olhos de Arthur.
- R2-X1147... Nunca houve ou existiu nenhum cenário em que você pudesse sair livre, leve e solto para viver a pacata vida de papai escritor que mora nos subúrbios de Newcastle upon Tyne com sua filhinha. Jamais. Ninguém olha "A Verdade" nos olhos como nós dois olhamos e volta a viver num mundo normal.
- Que verdade? - Perguntou o escritor.
- A de que este planetinha azul, que existe nesse universo regido por leis físicas absolutamente previsíveis não passa de uma pequena bolha, como uma delicada bolha de sabão, boiando na superfície de um mar escuro e tempestuoso, onde tudo que se esconde nas infinitas trevas aquosas desse mar, existe apenas com a finalidade de estourar essa frágil bolha. E você sabe qual a única barreira que impede isso, R2-X1147?
- Não. - Ele odiava ser chamado por esse número.
- É este Departamento. No momento em que você saísse por aquela porta, coisas muito piores que Ivan Petrov iriam atrás de você. E tenho certeza de que você não quer sua adorável Claire na reta disso tudo.
Brooklet silenciou-se. Enquanto Breen empurrava a cadeira e saía da sala. "Passar bem" foi sua despedida.
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