sábado, 25 de maio de 2024

[CONTO] História dentro da História - Epílogo

Arthur Ribeiro

 Serra do Lago, 11 de Maio de 2006, 17:15.


Maio era um mês que da perspectiva de Rodrigo, em Serra do Lago, era uma novidade. Porque, acostumado ao sempre quente e ensolarado Rio de Janeiro, aquele seria o encaminhamento do seu primeiro inverno em Serra do Lago, e o frio já começava a se avizinhar, ainda que fosse o último mês do outono.

Os outrora verdes plátanos plantados às margens da Avenida Beira-Lago já davam sinais de vermelhidão e algumas folhas já começavam a cair. E embora o inverno tendesse a ter tempo estável e claro naquela cidadezinha, ainda chovia eventualmente no outono. E este era um daqueles dias.

Sentado numa poltrona no apartamento de Beth, ele via a mulher que amava tentando ensinar a criança, agora identificada, Claire Brooklet, suas primeiras palavras em português, embora sua mente estivesse perdida em indagações sobre o quão apropriado ou não era aquilo tudo. Na verdade, por vezes, o som das gotas d'água que acertavam furiosamente as telhas de terracota se misturavam aos sons da voz de sua amada e daquela criança.

- Isto é água! - Dizia Beth apontando para um copo d'água.

- Water? - Questionou a menina, na dúvida se ela se referia ao copo ou a água.

Beth molhou o dedo no copo e agitou, na sequência, sorrindo, falou: - Água! 

A menina, que não era boba nem nada, entendeu:

- Aahgoa - Falou ela, lutando com os fonemas da última flor do lácio.

- Isso! Muito bem! - A voz de Beth transmitia alegria.

Rodrigo olhava pensativo, sua dúvida principal era o que fazer com a menina. embora sempre tenha desejado ser pai, sabia que não era o pai da menina. E preocupava-o ver Beth se comportar de maneira tão maternal com uma criança que no segundo seguinte, poderia não mais estar ali. Isso a arrasaria.

Irritado, se levantou e foi até a sacada. De lá, observou o canal dos eucaliptos recebendo calmamente as gotas que eram choradas pelas nuvens, enquanto uma brisa calma, anunciava para logo mais, uma noite que deveria baixar aos 10ºC. Em meio a uma bufada, seu telefone tocou.

Número desconhecido.

Rodrigo já estava na cidade a tempo o bastante para saber que ninguém, fora as oito famílias, escondia nada de ninguém. Era o tipo de cidade pacata onde todos se conheciam. Não havia motivação para um número desconhecido. Ele apertou um botão no celular, e imediatamente ele começou a gravar.

- Alô - Disse ele Rodrigo, com voz mórbida.

- Cabo Souza. Ouça com atenção. - A voz era feminina e soava com um sotaque americano - Tenho observado você, a delegacia, e sua aliança tácita com Helena Schimirtzer Costa. Ou deveria chamá-la de Chaya Sándor? Enfim, sabemos que ela é uma agente do Serviço Federal de Informações da Alemanha, e sabemos também que ela fez um acordo com Ivan Petrov, líder de uma célula karpovita que está por detrás do sequestro de Arthur e Claire Brooklet, e dos assaltos que tomaram sua cidade de surpresa.

- E o que tem isso?

- O que tem? - A voz gargalhou. - O que tem é simples: Esse acordo dela vai dar errado. No momento seguinte que entregarmos escritor, ele vai se recursar a escrever os assaltos, ele é apenas um pobre coitado que calhou de fazer sucesso no momento errado. A vida é assim, Souza! Num belo dia você é o próximo Tolkien. No outro você está trabalhando para criminosos debaixo da ameaça de uma arma. Sabe o que vai acontecer se não aceitar o nosso acordo? O que vai acontecer é que vocês vão ser forçados a lutar contra os karpovitas, que dessa vez virão atrás de vocês e também dessa cidadezinha muito melhor armados, e não com um bando de amadores, como da última vez. Você e nem ninguém quer que isso aconteça. Então, vou te dar uma escolha: E é simples.

- Que escolha?

- Já temos a "Hamington", não nos importa muito o escritor. Vamos libertá-lo se vocês quiserem ele.  Queremos Petrov e sua horda. Ele vale muito mais para nós do que o escritor. Mantenha o plano de Cháya até os acréscimos da prorrogação e confie em nós, nós somos o golden goal. Não conte nada a ela. Deixe que ela venha até nós, e no momento em que soltarmos o escritor, você verá os karpovitas se voltar contra vocês, e nesse very moment, eu colocarei meus 200 melhores homens de segurança da superfície em defesa de vocês. Xeque-mate! 

Rodrigo solta um riso sarcástico e volta a falar:

- Você me pede para confiar em você. Mas me liga com um número secreto e eu nem nunca vi seu rosto. Que garantias eu tenho de que vai cumprir sua parte do acordo?

- Nenhuma. Pense bem... A Cháya é esquentada, você é a voz da racionalidade. No momento em que vocês derem às costas, eles os trairão, você pode escolher ter uma carta na manga ou não contra os karpovitas. Essa carta é a carta do Departamento.

Rodrigo olhou pra sala, onde Beth animadamente ensinava Claire a palavra lâmpada em português, enquanto apontava para a luz da sala. Ela parecia feliz, completa, de uma forma que nunca esteve.

- Não me importo com o escritor, façam o que bem quiserem com ele. Quero apenas vingança pelo que fizeram a Beth. - Respondeu Rodrigo com voz seca.

A voz feminina gargalhou novamente.

- Parece que te julguei mal, cabo Souza. Você pegou afeição pela menininha, não é? Diga-me, sua noiva está a tratando como se fosse mãe dela, não está? Hahaha.

Rodrigo engoliu as risadas a seco, como se fosse uma provocação, seu desejo mais profundo era usar de tantos impropérios quanto possíveis para ofender a mulher estrangeira na linha. Mas ela tinha razão, isso era inegável.  

- Olha, não podemos manter Arthur Brooklet em custódia, ele é cidadão britânico e não queremos confusão com o país mais importante da OEA. E ele é o pai da menina. Se quiser se resolver com ele, matá-lo, faça como quiser. Mas ele não estará sob a nossa responsabilidade caso aceite o acordo.

- Eu aceito.

A voz silenciou-se do outro lado.

- Alô. Vocês ainda estão aí? - Perguntou Rodrigo. Logo a voz feminina, em tom debochado retornou:

- Rapaz esperto...

A seguir, ouviu-se um claque-clique, e depois ainda, apenas o som monotônico do telefone desligado: "Tu, tu, tu". Quem quer que fosse, havia desligado. Deu-se satisfeito com o aceite de Rodrigo. Rodrigo baixou o celular em dúvida se tinha feito a coisa certa, e olhava o escurecer do céu nublado atrás dos montes cobertos em eucaliptos com olhar preocupado. A voz de Beth o despertou de suas inculcações.

- Amor, tudo bem?

Rodrigo olhou para trás, e viu Beth de pé, atrás da menininha, seus braços gentis estavam posicionados sobre os ombros da menina, quase como se a estivesse abraçando - ou protegendo - os olhos de Beth transmitiam ternura, mas também insegurança.

- Está tudo sim, meu bem.

FIM.

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