Diário de Arthur Reese Koller
2 de outubro
A bomba caiu no café da manhã: estamos nos mudando pra uma tal de ilha Drauka. Litoral, mar, brisa... e conservadorismo com cheiro de mofo, cortesia dos meus pais. A casa nova parece saída de um conto gótico florido — primavera por fora, outono por dentro. Steph fingiu não ligar, como sempre. Eu? Finjo também. Mas talvez essa mudança seja minha chance de deixar pra trás o Arthur medroso de São Bernardo. Quem sabe eu vire alguém que não treme ao pedir ketchup extra. Pequenos passos.
12 de novembro
Ok, admito: a casa nova é linda. Tem aquele ar de que alguém morreu poeticamente aqui em 1912, e eu aprecio isso. Os tijolos e refratários me abraçam como se entendessem minha alma dramática de adolescente insuportável. E o piano-armário? Ficou perfeito na sala — acessível, equilibrado... quase uma metáfora do que eu queria ser. Meus pais continuam sendo o casal católico praticante do Apocalipse, mas ando tentando treinar minha coragem. Tipo a Steph, que quando me vê na varanda já pula o muro e some. Um dia eu chego lá.
24 de dezembro
Natal em Drauka. Chove. Sempre chove. O verão aqui parece ter lido “Como não ser brasileiro” e seguido à risca. Temperatura? Uns 18°C. Culpa da latitude sul — sim, eu sei disso. Nerdices. E sim, eu sou. Steph desapareceu às sete da noite como um fantasma de botas plataforma, e voltou à meia-noite tropeçando em si mesma e cheirando a cerveja barata e perfume de baleneiro. Provavelmente já fundou um culto alternativo na ilha. A gente ainda não começou na escola — o que é ótimo. Assim posso continuar fingindo que minha nova vida vai começar “com o pé direito”... só não sei de quem.
28 de janeiro
Ano novo, mesma cara de bobo — mas com endereço diferente. A vizinhança é, no mínimo, curiosa. Vi uma garota de cabelo vermelho hoje... meio futurista, meio personagem perdida do Mike Pondsmith. Linda, claro. E obviamente me ignorou como se eu fosse parte da calçada. E, convenhamos, eu meio que sou. Começo na escola dia 1º. Tô tentando me preparar mentalmente pra fingir que sou alguém interessante. Tipo, alguém que sabe o que dizer, que anda com propósito… alguém que não empalidece quando uma menina bonita olha na direção oposta. Enfim. Treinando o Arthur versão 2.0. Com bugs, mas promissor.
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