RPG, Estética e Recorte Temporal (Parte 1) - Anos 80
Meu post sobre estética como categoria do RPG recebeu muitas visitas recentemente, o que pode refletir um certo interesse do pessoal pelo assunto. Ótimo. Este é um dos meus assuntos favoritos. A maioria dos jogadores se contenta em ficar no universo da fantasia medieval e não costuma se fazer muitas perguntas sobre o que existe além das fronteiras da fantasia medieval. Eu chamo isso de "Síndrome do D&D". Sabe aquele tipo prototípico de jogador que começa no hobby pelo D&D e nunca sente o chamado de conhecer outras coisas? E que quando troca de sistema continua no universo D20? Se você está aqui provavelmente você não é um deles.
O desejo de ler coisas assim reflete muito a possibilidade de aumentar a imersão em outros tipos de contextos quando o assunto é jogo de interpretação. Talvez visitar o clima noir de Arkham em "O Chamado de Cthulhu" ou a pegada retro-gótica de um "Vampiro: A Máscara", ou você é um desses jogadores de sistemas genéricos que gostam de adaptar tudo e todos os tempos e gêneros (caso deste que vos escreve). Então, bem-vindo ao grupo, seja qual for o seu caso. Este artigo será a parte 1 de vários que escreverei sobre a abordagem.
Como dito no artigo acima referido, não dá para falar totalmente de estética como categoria do RPG de mesa, sem falar do conceito de recorte temporal. "Cada época tem a sua estética", basta pensar na estética hard rock/vaporwave dos anos 80; para uma melhor visualização, pense em "Stranger Things", ou o formalismo quase militar dos anos 40.
Mas mais do que isso, cada época tem o seu "afeto", isto é, o tipo de mensagem emocional e visão de mundo que cada período passa sobre sua realidade e expectativas, quase que como uma dimensão simbólica e tradução ideográfica de sua visão de mundo. Para quem quiser se aprofundar nisso, recomendo o pensamento do filósofo Paul Ricoeur. Uma tendência constante do pensamento estético ocidental e, por tabela, latino-americano, é o futurismo. Ou, melhor dizendo, a imagem que cada geração faz do futuro. Retomando os anos 80, veremos abaixo como cada estética gerou de alguma forma ou um gênero literário/cinematográfico ou influenciou cada geração.
Anos 80:
O Vaporwave é uma visão de futuro criada no final dos anos 80 e início dos 90 que reflete a ideia do futuro para aquela geração. Por mais que não pareça, há um clima de "foda-se tudo" na imagem. Esse é o período em que os hippies dos 70s se tornam yuppies. O início da disseminação da informática e dos computadores no mundo rico, a ascensão do neoliberalismo e o fim do welfare state, aliou-se a disseminação das drogas ilícitas, que na década passada, estava restrita a círculos mais contestadores da juventude progressista, e é claro! Neon. Muito neon. Na estética sonora, o vaporwave teve como filho o synthwave, ou seja, a imagem do futuro não seria para aquela geração, a do Rock, com quarteto: vocal, guitarra, baixo e bateria, mas sim algo sintético, eletrônico, menos humano, como um teclado sintetizador. Abaixo, uma playlist de synthwave para você curtir a época:
O filho dessa visão de mundo foi, como não poderia deixar de ser, o cyberpunk, que justamente reflete todos os valores e desvalores dessa época. A alienação de saber-se impotente contra a exploração econômica e a degradação moral, a desesperança com a humanidade e o fatalismo de "foda-se tudo", já que, como não há saída para o iminente fim do humano, entreguemo-nos aos prazeres e ao amor livre.
Paralelo ao cyberpunk havia um certo presentismo como estética de contestação, o que eu chamo de estética hard rock, que é uma sobrevida, uma versão 2.0 e reminiscente do período anterior baseado no conceito de "Sexo, Drogas e Rock'n'roll".
Ou seja, no seu RPG, caso seja ambientado nos 80, explorar o choque entre as duas visões de mundo baseada nesse choque ideográfico pode ser extremamente eficiente para imersão.
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