segunda-feira, 26 de julho de 2021

[Contos] O mistério do "Vale do Nada" - Parte 4.2

 Ivan passou por um mendigo cabisbaixo encostado na mureta do chafariz em construção e perguntou:

- Opa, firmeza?

O mendigo olhou para ele como se visse uma parede em branco, sem qualquer emoção. Não respondeu.

- Então, é cedo ou a cidade é bem paradona assim mesmo?

O mendigo sorriu com a boca meio torta (ou pelo menos pareceu, pois estava parte dela embaixo de uma barba suja e desgrenhada) e disse:

- Esse lugar não tem muita vida, se é que me entende.

- Então, estou vendendo uns cigarros e vejo que o senhor tem aí 10 reais. Te faço esse pacote aqui por 10, o que acha? - Ivan queria ver o quão maleáveis eram os citadinos.

O mendigo coçou a barba e pensou que fumar daria um bom alívio naquele que seria mais um dia de cão.

- Tá, tá! Me vê o pacote aí. - Disse o mesmo apontando para o chapéu.

Ivan se abaixou, pegou o dinheiro e deixou o pacote. O mendigo desembalou um maço, retirou um cigarro e perguntou: - Tem isqueiro?

Ivan acenou com a cabeça positivamente, pegou o isqueiro no bolso e deu ao  mendigo. 

- Cortesia. - finalizou.

O mendigo agradeceu com olhar meio insano.

- Você é gente boa, é melhor ir embora antes de arranjar problemas. - Disse ele entre uma tragada e outra - Conselho de quem conhece a vizinhança.

Ivan franziu o cenho curioso.

- Como assim?  - Perguntou.

- Acredite em mim. Você não vai querer saber. Se quiser dar uma olhada, fique a vontade, mas não fique muito tempo e evite ficar de prosa. 

Ivan achou aquilo estranho. Havia achado o local perfeito para se instalar e recomeçar o império do crime de sua família, mas um estranho mendigo no meio de uma praça semi-deserta o havia recomendado o contrário. Ivan já havia trocado tiros com milicianos, traficantes e policiais. O que um bando de caipiras que falam de bombacha e que falam "tchê" poderiam fazer de mal? nem na rua punham as caras!

- Obrigado pelo conselho... - Ivan falaria algo mais mas o mendigo, com cortesia zero o interrompeu.

- Cala a boca. Evite ficar zanzando nas bordas da cidade. Coisas ruins acontecem por lá e, se possível, vá embora antes de anoitecer.

Ok, o cara me mandou calar a boca - pensou Ivan - agora esse cara está me aborrecendo.

- O que poderia acontecer de ruim? 

O mendigo olhou para Ivan com olhar ensandecido após uma tragada e começou a rir com tom de voz fraco, mas sem cessar.

Ivan se aborreceu mais ainda, mas preferiu sair e tentar um diálogo com alguém menos louco. Já estava se sentindo patético de perder tempo com um mendigo. Só Deus sabe que tóxicos essa cara já deve ter usado, pensou. Ivan acenou ironicamente, como quem dava adeus e foi saindo em direção a um banco atrás em diagonal. O mendigo pareceu achar ainda mais graça do gesto.

Ivan fez isso pois viu uma jovem magra mas de belo rosto sentada num banco mais atrás olhando para a praça distraída, e quando se aproximou quase não percebeu o olhar de pânico que ela fez.

- Er... Olá, jovem. Está tudo bem?

A moça engoliu o soluço que estava prestes a soltar e acenou positivamente com a cabeça.

- Você sabe onde tem um mercado aqui? Eu não sou daqui estou de passagem vendendo algumas quinquilharias. - Disse ele ainda desconfiado.

A moça, pálida, ficou uns dois segundos olhando para ele inerte antes de responder.

- A.. Aqui atrás tem um. - E apontou o polegar direito para a porta do estabelecimento.

Ivan achou o comportamento bizarro. Essa gauchada roceira, gente esquisita, pensou ele.

A moça pareceu desinchar e corar de novo, como quem soltasse um ar aliviado.

- Tem certeza que está tudo bem? - Ivan tornou a perguntar.

- Sim, sim. Peço desculpas. Achei que fosse outra pessoa. - Disse a moça.

- Qual seu nome?

- Jéssica - respondeu ela.

- Prazer, Ivan - disse ele estendendo a mão como quem esperasse um cumprimento igual - Você é daqui?

Jéssica estendeu a mão e quase se arrependeu com o aperto de mão forte a ponto de estalar os ossos que Ivan deu.

- Não, não. Estou só de passagem também. - Respondeu.

- Fuma?

- Já fumei quando mais jovem. Hoje não, preciso do meu corpo saudável para trabalhar... Mas nada contra - Disse ela.

Ivan achou a justificativa estranha. Pensou que a moça era prostituta, mas não falou nada. Apenas remoeu a informação e pensou: Ótimo, Ivan. Com o mendigo e a moça você já pode montar um camelódromo e um puteiro na cidade.

- Bem, eu vou entrando. Obrigado pela atenção. - Disse encaminhando-se para a porta do mercado. Se não fosse pela indicação de Jéssica, Ivan não teria notado tamanha a degradação da tintura do letreiro na parede. Entrou, viu o mesmo cenário que Jéssica. Um caixa que parecia estar dormindo de olhos abertos e um arrumador de prateleiras tão sem vida quanto. Ao se aproximar percebeu que ambos tinham um tom de pele acinzentados, chegou a levantar os óculos para confirmar e ao confirmar, começou a temer que o mendigo tivesse razão. Porém, achando-se ridículo, afastou os maus pensamentos com uma hipótese mais prosaica. 

Esse povo não deve tomar sol, carência de Vitamina D eu acho. - pensou.

- Olá, em que posso servi-lo, senhor? - Perguntou o caixa.

- Sou Ivan, vendo cigarros e outros produtos. Vocês estão comprando algo? Tenho cigarros e aparelhos de IPTV. 

O caixa pegou uns papéis debaixo do caixa registrador antigo (um modelo que devia datar da década de 70) e olhou. Pareceu fazer contas e respondeu com voz lenta e monótona:

- Sim, senhor. Compramos sim.

Ivan deu um preço cinco vezes maior que o que deu ao mendigo na esperança do vai que cola e, sem pensar duas vezes, o caixa retirou os 50 reais e pagou-o. Ivan deixou o pacote de cigarros sobre o balcão, pegou o dinheiro, conferiu para ver se era verdadeiro e, confirmando, pôs na carteira.

- Obrigado. - disse Ivan ainda incrédulo - Vocês sabem quem compra eletrodomésticos na cidade? - Complementou.

O caixa continuou olhando para Ivan sem nada responder.

- Sabe? - Insistiu.

...

Silêncio apenas.

- Olá, em que posso servi-lo, senhor? - Perguntou o caixa com voz idêntica a que falou da primeira vez.

Ivan já estava se sentindo estranho na cidade e o sujeito ficar encarando-o sem responder e depois repetir tal qual um gravador a fórmula mais que decorada de "em que posso servi-lo" o fazia se sentir mais estranho ainda. Ivan, por fim, acenou com a cabeça e se despediu.

- Err... Obrigado.  - falou saindo.

- Volte sempre - disse o caixa com olhar inerte.

Ivan ao voltar seus olhos novamente para a praça viu que a moça já se havia levantado do banco e estava conversando com duas outras pessoas do outro lado da praça. O mendigo por sua vez olhava para ele rindo as gargalhadas e fumando animadamente o cigarro.

Ivan teve um mau presságio.


domingo, 11 de julho de 2021

[INSULAR] Escala de Köppen para climas

Uma das formas mais eficientes de proporcionar imersão em um jogo de RPG é você descrever bem os elementos físicos que compõem os lugares, tais como características das cidades, das pessoas, os estilos de arte envolvidos na arquitetura, o tipo de clima e de vegetação, e para oferecer um enriquecimento desse tipo a quem usa o cenário Insular, estamos disponibilizando a classificação de Köppen dos climas do mundo.


From WikiA classificação climática de Köppen-Geiger, mais conhecida por classificação climática de Köppen, é o sistema de classificação global dos tipos climáticos mais utilizado em geografia, climatologia e ecologia.[2] A classificação foi proposta em 1900 pelo climatologista russo Wladimir Köppen, tendo sido por ele aperfeiçoada em 1918, 1927 e 1936 com a publicação de novas versões, preparadas em colaboração com o alemão Rudolf Geiger (daí o nome Köppen-Geiger).

A classificação é baseada no pressuposto, com origem na fitossociologia e na ecologia, de que a vegetação natural de cada grande região da Terra é essencialmente uma expressão do clima nela prevalecente. Assim, as fronteiras entre regiões climáticas foram selecionadas para corresponder, tanto quanto possível, às áreas de predominância de cada tipo de vegetação, razão pela qual a distribuição global dos tipos climáticos e a distribuição dos biomas apresenta elevada correlação.

Na determinação dos tipos climáticos de Köppen-Geiger são considerados a sazonalidade e os valores médios anuais e mensais da temperatura do ar e da precipitação.[3] Cada grande tipo climático é denotado por um código, constituído por letras maiúsculas e minúsculas, cuja combinação denota os tipos e subtipos considerados.


Cidades importantes:


Boreal - População: 250 mil pessoas.
Clima: Dfa - Chuva distribuída regularmente ao longo do ano (sem estação seca); 4 estações bem definidas; Temperatura média no inverno: -16ºC; temperatura média anual: 12ºC; temperatura média no verão: 25ºC.
Vegetação predominante: Taiga.
Exemplos no nosso mundo: Toronto, ON (Canadá).

Ática - População: 400 mil pessoas.
Clima: Cwa (beirando Cwb) - Chuvas concentradas no verão; inverno seco; 3 estações bem definidas (verão, inverno e intermediária); temperatura média do inverno: 4ºC; temperatura média anual: 18ºC; temperatura média no verão: 23ºC.
Vegetação predominante: Floresta mista - eucaliptos, palmeiras, pinheiros e araucárias.
Exemplos no nosso mundo: Campos do Jordão, SP (Brasil).

Surnalis - População: 100 mil pessoas.
Clima: As - Chuvas concentradas no verão; duas estações bem definidas (chuvosa e seca); temperatura média do inverno: 16ºC; temperatura média anual: 22ºC; temperatura média do verão: 33ºC.
Vegetação predominante Floresta tropical.
Exemplos no nosso mundo: Vitória, ES (Brasil).

Austral - População: 120 mil pessoas.
Clima: Subpolar - Chuvas escassas mas mais constantes no verão; apenas duas estações (verões curtíssimos e invernos longos); temperatura média do inverno: -25ºC; temperatura média anual: -1ºC; temperatura média do verão: 8ºC.
Vegetação predominante: Tundra.
Exemplos no nosso mundo: Faro, YK (Canadá)

Szan - População: 3500 pessoas.
Clima - Csb - Chuvas concentradas no inverno e verões amenos; quatro estações bem definidas; temperatura média no inverno: -3ºC; temperatura média anual 16ºC; temperatura média no verão: 21ºC.
Vegetação predominante: Floresta mista - Carvalhos, pinheiros, abetos e araucárias.
Exemplos no nosso mundo: Bragança (Portugal).

Bogomil - 60 mil pessoas.
Clima - Cwb (beirando o Cwc) - verões chuvosos, três estações bem definidas, características de regiões montanhosas; temperatura média de inverno: -3ºC, temperatura média anual: 10ºC; temperatura média do verão: 18ºC.
Vegetação predominante: Pastos e matagais devido às rochas das montanhas.
Exemplos no nosso mundo: La Paz (Bolívia).

Gnomia - 1000 pessoas.
Clima:  Dfa (beirando Dfb) - Chuva distribuída regularmente ao longo do ano (sem estação seca); 4 estações bem definidas; Temperatura média no inverno: -15ºC; temperatura média anual: 10ºC; temperatura média no verão: 23ºC.
Vegetação predominante: Taiga e um pouco de tundra na fronteira.
Exemplos no nosso mundo: Moscou (Rússia).

Outras:


Oceânica - População desconhecida.
Clima: cidade submersa, mas caso estivesse na superfície seu clima seria Cfd - Sem estação seca, só inverno. Temperatura média no inverno -40ºC, temperatura média anual -10ºC; temperatura média do verão -5ºC. Apenas ligeiramente mais brando que A última fronteira.
Vegetação predominante: Tundra.
Exemplos no nosso mundo: Oymyakon (Rússia).

Falenhäär - 30 mil pessoas (Cidade onde Arr "Toughfest" of Grave escolheu morar após a independência de Surnalis).
Clima: Cwa - Chuvas concentradas no verão; inverno seco; 3 estações bem definidas (verão, inverno e intermediária); temperatura média do inverno: 8ºC; temperatura média anual: 20ºC; temperatura média no verão: 29ºC.
Vegetação predominante: Floresta mista - eucaliptos, palmeiras, pinheiros e araucárias.
Exemplos no nosso mundo: Espera Feliz, MG (Brasil).

sábado, 10 de julho de 2021

[Contos] O mistério do "Vale do Nada" - Parte 4.1

Jéssica desceu do carro que deixara estacionado próximo a um ponto de ônibus na entrada da cidade. Como a cidade era pequena, pensou: pode ser uma boa ideia poupar gasolina e andar a pé na cidade, já que ela me parece bem pequena. Jéssica então, decidiu procurar uma hospedaria ou hotel. Em seus anos na vida noturna, estava acostumada a dormir nos locais moralmente mais inóspitos, de boates a motéis, então, um hotel de cidadezinha pequena não seria problema.

A medida em que se aproximava do centro da cidade (o que não demorou quase nada), sentiu fome. Quando atravessava a estranha praça central, parou e refletiu um pouco suas prioridades: não faria nenhum mal comer antes de me hospedar em algum lugar. Jéssica virou sua cabeça, o que fez escorrer pelos seus ombros sua cabeleira castanha. De imediato viu um supermercado, numa construção que mais parecia uma casa de colonos alemães mal pintada, onde o letreiro do mercado, pintado com tinta azul, agora estava desbotado e descascando. Abriu sua caretira, revelando sua identidade e os cartões de banco, e verificou quanto dinheiro ainda tinha. Contou as notas e falando consigo mesma em voz baixa disse:

- 470 reais... Nada mal - pensou.

Guardou a carteira no bolso traseiro do minúsculo short jeans que vestia, revelando suas pernas magras mas bem torneadas pelos anos de dança, onde na coxa direita, havia um anel tribal tatuado ao redor dela. Apesar de o dia estar nublado e frio, temia que alguém a reconhecesse dado os eventos dos últimos dias, por isso baixou seus óculos escuros, antes sobre a cabeça, agora no lugar correto. O óculos cintilava e dava um ar imponente a nossa dançarina, combinando bem com um piercing argola no nariz e um pequeno perfurando a bochecha esquerda.

Caminhou confiante em direção ao mercado (ou pelo menos tentou demonstrar isso, embora não fosse verdade) e, ao entrar se surpreendeu com quão pouco movimentado o mercado era. Havia apenas um caixa e um rapaz organizando umas poucas prateleiras. Nenhum comprador. Nenhum. Foi então que lhe ocorreu que no lado externo também não havia visto nenhum pedestre pela cidade.

Era um dia frio - pensou - as pessoas devem estar em casa com cobertores pesados, meias grossas e tomando chimarrão. Isso lhe deu um certo otimismo, muito pouco provavelmente a reconheceriam e, com tão poucos cidadãos nas ruas, o risco ainda seria mais diminuto. Começou a caminhar por entre as prateleiras a procura de algum salgadinho ou guloseima. Embora Jéssica fosse magra, gostava de besteiras que poderiam lhe render "algumas boas" estrias ou celulites que, se não fosse sua boa rotina de treino, já existiriam a essa altura.

Antes porém, que localizasse as guloseimas por si mesma um atendente a abordou.

- No que posso ajudá-la senhora? - Disse ele com voz monótona e lenta.

Senhora? - Jéssica pensou com bom humor - Ou eu pareço velha ou esse rapaz é um gentleman. - Concluiu.

Como dançarina de pole dance, uma dança sensual que pode eventualmente envolver topless, Jéssica estava acostumada a ser confundida e tratada como prostituta pelos homens, portanto, "senhora" lhe soava pitoresco. Coisas do interior - pensou.

- Ah sim, quero de um salgadinho, alguma coisa barata. - Disse ela.

O rapaz, com olhar morto e sem vida respondeu da forma mais seca e esquisita possível:

- Siga-me.

Jéssica ainda estava tão encafifada com o "senhora" e com sua preocupação em ser reconhecida por alguém, que nem notou as feições semi-mórbidas do rapaz. Após apontar o local das guloseimas, o rapaz voltou ao seu afazer monótono de organizar prateleiras, tão monótono quanto seu olhar desinteressado ou sua fala sem vida. Jéssica sacou um pacote de fandangos, foi até o caixa, pagou sem prestar muita atenção a pessoa que lhe atendera, tão estranho ou sem vida quanto o outro atendente e saiu.

Caminhou concentrada olhando para o pacote que estava abrindo e se dirigiu a um banco de praça que estava próximo ao mercado. Foi quando viu a primeira viv'alma da cidade. Um mendigo que se sentara no que parecia ser um chafariz inacabado ou seco. Ele estava com roupas esfarrapadas como qualquer mendigo, cabelos grisalhos desgrenhados como de qualquer mendigo de meia idade e um pequeno chapéu virado de boca para cima no chão, como se esperaria de qualquer mendigo. Jéssica que conhecia bem a sensação de ser considerada alguém a margem da sociedade se compadeceu, deu-lhe uma nota de 10 reais.

Ouviu um obrigado com voz trêmula, ao que ela respondeu com um sorriso amigável. Retornou ao banco e sentou degustando o salgadinho. Após alguns minutos perdida em pensamentos, finalmente relaxou um pouco, e pôs-se a observar a praça. Uma praça esquisita - pensou.

A praça era apenas uma enorme calçada quadrada, sem gramado e com alguns poucos bancos espalhados nas extremidades, próximos aos estabelecimentos comerciais adjacentes. Tinha no seu centro um enorme chafariz inacabado. A borda dele - que lhe servia também de paredes - devia ter um metro e dez centímetros de altura, mas o seu interior não estava preenchido por concreto, era apenas terra batida com um punhado de mato, num formato côncavo, onde o meio era mais profundo que suas extremidades, quase como se uma coisa pesada tivesse caído ali e afundado a terra no meio. Havia ainda um coreto branco de madeira vazio no meio da praça. Foi quando percebeu que nunca tinha visto um coreto fora dos filmes ou das novelas de época - sentiu um desejo de ir até ele, mas resistiu e preferiu ficar comendo o salgado. Nesse momento, Jéssica viu o que parecia ser o segundo transeunte da cidade se aproximando, na verdade vinha pela rua na frente da praça um carro velho, um Chevrolet Monza vinho, popularmente conhecido como "Monza Tubarão". O seu dono estacionou próximo a praça, demorou um pouco para sair, mas desceu do carro. Pareceu ajeitar algo na cintura e caminhou em direção ao centro da praça, como quem se dirigisse para falar com o mendigo.

Sua figura era estranha, usava uma camisa de flanela aberta no peito, revelando um crucifixo de prata e os cabelos no tórax, parecia friorento. Seu chapéu era o tipo que se esperava de um malandro e usava um ray-ban tão falso quanto o que ela mesma estava usando. Se aproximou do mendigo e pareceu ter lhe vendido alguma coisa que o mendicante comprou com o dinheiro que ela havia dado. Conversou algo com o mendigo e na sequência o homem voltou seu rosto para ela, caminhando na sua direção.

Jéssica gelou. - Será que é alguém enviado por Gustavo? - pensou - Não acredito que ele me achou! - Jéssica só pensou que tomaria outra surra, agora numa cidade onde não conhecia ninguém e onde não haveria ninguém para lhe ajudar. Apertou a mão contra o bolso esquerdo do short, onde havia colocado um canivete que sempre carregava para auto-defesa.

O homem se aproximou dela, abriu um sorriso meio sádico e parecia que ia dizer algo, quando Jéssica pensou: ferrou!

[INSULAR] A história dos heróis do mundo e a morte do clérigo do Vício.

 Os eventos a seguir ocorrem após o ano 225 d.C.

No ano 225 a princesa Reddina, filha caçula do Rei Isael I de Ática foi sequestrada por Maximus Birrhus, um feiticeiro pago a peso de ouro por um membro da Gerúsia oriundo de Surnalis. O objetivo dele era forçar o rei Isael a conceder a independência de Surnalis, uma vez que havia uma crise econômica e política fortíssima no reino humano. A conspiração foi descoberta por Ser-Dio, um halfling aliado dos elfos negros cedido por X para dissipar a suspeita do rei sobre eles; Barzaphir, clérigo da virtude meio-elfo nascido no continente norte e Alcör do rio Thames, uma elfa que estava em Ática em busca de aventura. A fama que os três fizeram motivou que A Assembléia Universal dos Fiéis da Virtude e do Autor (AUFAV), na pessoa de Valentinus, seu grão-mestre, solicitou ao rei Alberto I de Surnalis (reino humano recém-independente) que lhe cedesse Arr of Grave para uma missão. Ao chegar a AUFAV, ordenou ao Paladino do Autor, Arr "Toughfest" of Grave os recrutasse para impedir que X libertasse Toball e os Abissais em Elfhium.

No ano de 230, a agitação do crescimento do aslamerismo e seu fundamentalismo religioso pôs em xeque o equilíbrio da religião ancestral e, temendo uma nova guerra genocida que exterminasse os elfos negros, X procurou por uma solução final: ir a Elfhium, invadir o subplano em busca de Toball, pegar a chave negra e fazer o ritual para a remoção da Tessa (a armadura de Pompeus), o que liberaria Toball e os abissais para dominarem o mundo,

Tendo recebido uma visão do próprio Aslameru Ichté, Valentinus ordenou a busca pelos heróis de Ática, mas ao chegar no continente central, Arr descobriu que Alcör estava desaparecida e que Ser-Dio havia morrido, condenado por traição em Austral. Arr, porém, convocou Eredin, discípulo e amigo de Ser-Dio para a batalha. No subplano, a crew derrotou todos os abissais e derrotou X, numa luta breve que ocasionou sua morte. Desde então a Assembléia do Vício está acéfala e por decidir quem será seu novo grão-mestre, e os elfos negros temem sua extinção.

terça-feira, 6 de julho de 2021

[Contos] O mistério do "Vale do Nada" - Parte 3

Velaski estava sentado em sua cama enquanto tentava não olhar no rosto de seus pais. Sua mãe, uma mulher batalhadora e trabalhadora manifestava grande desapontamento pelo filho. O pai, cuja presença era meramente simbólica, estava manifesto numa foto dentro de um porta-retratos sobre a mesa de cabeceira da cama, com olhos semicerrados e focados em quem o observa, como se o julgasse desde cima.

Velaski sempre fora o garoto problema da família, não foram poucas vezes que a mãe teve de sair do trabalho para ir a escola para resolver seus problemas disciplinares, ás vezes com brigas, ás vezes com vandalismo, enfim. Após sair do ensino médio e após não conseguir se estabelecer na vida, tendo tido tantos empregos quanto meses no ano, Velaski decidiu apostar na via do crime. Nada excessivamente grave, pequenos furtos e punga. Mas mesmo no seu caos interior Velaski tinha uma noção bastante aprofundada de certo e errado, sabia que o que fazia e como se comportava era errado. Mas era mais forte que ele. Ele sempre sentia um impulso profundo, como que vindo do mais inacessível espaço do espírito que lhe levava a fazer as coisas que nem sempre desejava. Quando furtava, furtava apenas o necessário para si ou coisas de pequeno valor, como canetas, lixas de unha ou pendrives. Quando batia uma carteira, retirava o dinheiro e deixava os documentos, punha a carteira em algum lugar visível para que pelo menos os documentos fossem recuperados. Certa vez, roubou uma carteira com vários cartões de crédito. Deixou os documentos, afanou o dinheiro e jogou os cartões no esgoto. Não queria que outro oportunista desse golpes maiores nas pessoas.

Certo dia, no centro de Pelotas, viu um homem forte "dando mole" com a carteira, oportunidade perfeita. Imediatamente cercou-o e pegou com seus dedos leves a carteira. Para sua infelicidade, uma mulher numa sacada de prédio (que ele não havia percebido) viu seu movimento semi-malicioso e gritou. O homem virou-se, agarrou seu braço e o agrediu várias e várias vezes. A vizinha chamou a polícia e Velaski foi encaminhado a delegacia. Após algumas horas a mãe chegou a DP com um defensor público e com suas parcas economias para pagar uma fiança. O retorno para casa foi a parte mais branda, já que um silêncio enorme se manteve entre os dois. Foi em casa que a coisa não ficou boa. Sua mãe, irritada, jogou a bolsa no sofá com força e arremessou um copo americano no chão da cozinha.

Velaski se assustou. nunca vira a mãe tão irritada.

- Você é uma decepção na minha vida! - Disse ela entre lágrimas e grunhidos de ódio.

- M-ma-mãe? - A voz de Velaski mal saía.

- Eu não vou deixar você se perder na vida... Não... Não mais do que já se perdeu! - Diz ela com ódio na voz.

- Desculpa, eu não sei o que... - Velaski não teve tempo de terminar quando sua mãe ergue a voz como um trovão apertando seu pulso.

- Eu tenho um irmão que se mudou para uma cidade no interior a 3 anos. Nunca mais falei com ele, mas ele era rígido com os filhos e você vai ficar com ele. Vou te mandar pra lá! - Diz ela.

- Lá? Onde?

- Crescente. 

Velaski pausa seus raciocínios um segundo e pensa: - Que lugar é esse? Nunca ouvi falar.

- Como vou achá-lo se você não tem contato com ele? - A voz de Velaski sai meio gaguejada.

- É uma cidade pequena. Se vire. Quem tem boca vai a Roma. - Disse ela sem muita esperança.

No dia seguinte Velaski entrava num ônibus enquanto era observado pela sua mãe, um ônibus com ndestino a morte certa.


sexta-feira, 2 de julho de 2021

[Contos] O mistério do "Vale do Nada" - Parte 2

Ivan estava tendo um dia difícil. Mas a expectativa até que era boa, pois, afinal, se tudo desse errado, ainda tinha seu sobrenome que era muito importante. Andrade, não que isso seja uma vantagem real mas, até que as pessoas tenham a big picture, o nome Andrade no mundo das ilegalidades ainda soa forte. Ivan tinha nada mais na menos que um parentesco bem distante (mas não negligenciável) com o famoso bicheiro carioca Castor de Andrade.

Até que as pessoas percebessem que Ivan tinha mais lábia e bravata do que influência, seu sobrenome ainda era imponente. Mas isso não muda o fato de que Ivan estava tendo um mau dia. Ivan era parte de um esquema de venda de produtos contrabandeados no Rio de Janeiro. Acostumado com o calor, Ivan jamais pensou que, poucos dias após os quiproquós de hoje, estaria preocupado em lidar com terrível inverno gaúcho.

O dia começou até que bem, o chefe do esquema confirmou com ele e mais dois colegas de que um carregamento de cigarros do Paraguai e aparelhos de IPTV estavam para chegar e que a recepção seria feita a noite na zona portuária do Rio. Era, claro, algo muito arriscado, afinal de contas, contrabando é feito "na moita" e não em contêineres nas docas. Mas o fato é que o chefe do esquema havia assegurado que o esquema estava todo certo e fechado com um operador de grua, com o dono do cargueiro e com funcionários do porto para fazer os produtos que chegarem se passarem por outros produtos legais. Claro, tudo mediante a relatórios fraudados, notas frias e algum suborno.

Ivan, "Zóio de Gato" e Ronicley foram destacados para supervisionar e fazer a recepção das mercadorias naquela madrugada. Entretanto, faltando poucos minutos para iniciarem-se as operações, Ronicley desaparece, deixando Ivan e Zóio de Gato na mão. Era suspeito, claro! Ronicley nunca sumia em dia de serviço, mas não eram raros os dias em que seu celular só dava ocupado porque ele estava ocupado bebendo num churrasco ou em algum puteiro da baixada. Aquele desfalque deixou os dois protagonistas deste conto furiosos, pois a carga de trabalho de cada um seria aumentada para compensar a falta de uma pessoa.

Ao chegarem ao local da transação, Zóio de Gato e Ivan já estavam bastante aborrecidos e a sequência dos acontecimentos tenderia a piorar a situação. Zóio de Gato, que estava sem carteira e tinha batido o carro teve de ir ao porto no carro de Ivan, um monza velho de cor vinho, apelidado de "tubarão" devido ao seu formato. Ambos desceram do veículo e foram conversar com o contato indicado. Após alguns minutos de acalorada negociação, o contato acena para alguns funcionários que os guiam até o contêiner. O operador de grua ergue o enorme caixote de ferro e o deixa posto num logradouro mais acessível. Os funcionários abrem as portas e começam a carregar  os produtos para um caminhão que o chefe do esquema havia alugado alguns dias antes, e que Ronicley havia deixado 24 horas no pátio do estacionamento anexo ao porto.

A ideia era simples: Ronicley dirigiria o caminhão e Ivan e Zóio de Gato seguiriam de carro para fazer a escolta. Sem Ronicley na área, Zóio de Gato teria de dirigir o caminhão. A entrega da carga estava indo bem até quase no seu final, que é quando as coisas começam a ficar estranhas.

Sirenes. Luzes. Helicópteros.

A polícia baixou no pedaço e o pipoco comeu para todo lado. Ivan sacou seu 38 e deu alguns disparos enquanto corria em direção ao carro. No desespero, Zóio de Gato deixou cair algumas caixas de cigarro paraguaio. Ivan pegou os pacotes e correu em direção ao seu carro. Antes de entrar deu mais dois disparos. Jogou os pacotes no banco de trás junto com a arma e saiu correndo. Zóio de Gato entrou no caminhão, tentou dar partida uma, duas, três vezes, em vão. O que ambos desconheciam é que Ronicley era um x-9; um ex-presidiário em condicional que estava por dentro do esquema para dar informações para a polícia, que esperou até ter um grande carregamento para agir. Ronicley antes de chegar ao posto trocou de caminhão no meio do caminho por um de mesma marca da polícia. O caminhão da polícia tinha um sistema elétrico de partida via satélite que poderia desativar o motor e impedir a partida remotamente.

Sem meios de fugir, Zóio de Gato acabou preso junto com todos os funcionários do porto envolvidos no esquema de corrupção. Ivan conseguiu escapar. Embora não tivesse conhecimento dos detalhes da missão policial acima mencionados, tinha vivência e experiência suficientes para saber que uma operação policial daquele tamanho não foi feita para prender só peixes pequenos como ele. E que o esquema todo estava desmontado. Definitivamente, aquele era um dia ruim!

Após virar várias quadras despistando a polícia, Ivan consegue achar uma brecha no bloqueio e escapar. Ele sabia que não poderia ficar no Rio e que se não quisesse ser preso teria que ir para bem longe dali. Parou num posto de gasolina a alguns quilômetros dali para reabastecer. Abaixou os óculos escuros e colocou um chapéu panamá para evitar ser reconhecido. Pagou o atendente do posto e caiu na estrada por horas.

Paranóico, olhava no retrovisor de 30 em 30 minutos para se assegurar de que não estava sendo seguido. Durante umas três horas quase chorou achando que sua vida estava acabada, até se dar conta de que aquilo, talvez, fosse uma oportunidade. Sim! É! Uma oportunidade de fazer o nome de sua família respeitado outra vez! Sem ser subalterno de ninguém! Mas aquilo não poderia ser no Rio... Do nada, o medo deu lugar a planos e mais planos... Quando completaram-se quatro horas de viagem, já quase na fronteira com São Paulo, Ivan tinha bolado o esquema perfeito de contrabando.

1- Ir para uma pequena cidade - Nesses locais o policiamento é menor e há menor atenção das autoridades.

2- Teria de ser uma cidade fronteiriça para o custo das operações de contrabando não serem altos. O ideal seria algum lugarejo no Mato Grosso do Sul ou no Rio Grande do Sul, onde o acesso ao Paraguai seria fácil. Fosse por acesso direto ou por meio do Uruguai pelo Rio da Prata.

Ivan seguiu dirigindo sem dormir. Estava exausto, mas animado. Havia conseguido fugir da polícia. Ao parar num restaurante de beira de estrada para comer, aproveitou a ocasião para olhar num mapa que estava pendurado na parede interna do restaurante. Olhou no Mato Grosso do Sul. Achou várias cidades promissoras e, quando estava prestes a se decidir, se deu conta de que ir para lá seria muito óbvio. Seria menos custoso, é claro, mas óbvio demais. Se ele fosse policial e estivesse procurando um contrabandista, obviamente, procuraria lá.

O Paraná também teria o mesmo problema, então optou por uma cidadezinha gaúcha, uma tal de Crescente. Lugar que era diminuto no mapa e que nunca tinha ouvido falar. Ficava próximo da fronteira com o Uruguai, mas não o bastante para chamar a atenção. Pagou a conta do almoço e caiu novamente na estrada. Dormiu em alguns acostamentos e passado alguns dias já estava chegando ao seu destino. Após deixar a rodovia e tomar uma estrada vicinal asfaltada, Ivan ainda dirigiu cerca de 40 minutos até avistar na subida de uma colina coberta por névoa uma placa com os dizeres: Bem-vindo a Crescente-RS; fundada em 1950; 800 habitantes.

Ivan entrou na cidade e, além do clima frio estranhou o pequeno movimento na cidade. Virou duas curvas a direita e chegou a uma grande praça, onde o único movimento era uma moça sentada num banco e um mendigo próximo ao que parecia ser um grande chafariz. Antes de descer, deu uma olhada no retrovisor por segurança, encheu o tambor do seu revólver calibre 38 e pôs na cintura. Ajeitou a camisa para cobri-lo, respirou fundo e desceu sorridente para o pior erro da sua vida.



quinta-feira, 1 de julho de 2021

[Contos] O mistério do "Vale do Nada" - Parte 1


Aquela manhã era "quase" como uma manhã como muitas outras na vida de Jéssica. Uma manhã cansada do trabalho da noite passada, afinal dançar em um pole é uma atividade extremamente extenuante que exige um esforço físico digno de uma ginasta, além de várias apresentações de músculos e tendões fortes e elásticos por várias horas.

Mas eu disse "quase". Aquela manhã era uma manhã diferente para nossa dançarina em questão. Como não poderia deixar de ser na vida de alguém que se aventura em ser dançarina em boates, as razões que a levaram a seguir esse caminho na vida não foram recentes e possuem um longo histórico de erros e descaminhos. Jéssica Levine nasceu em uma família de classe média, e como consequência disso tinha tudo para dar certo na vida, se não por por um "exceto". Exceto que foi ela quem descobriu o adultério do pai com a empregada doméstica de sua família ainda aos sete anos. E foi da pior forma que poderia ser, após presenciar o coito entre o seu progenitor e a assistente doméstica. Tudo se passou numa noite em que a mãe tinha viajado a trabalho e o pai ficara sozinho em casa. Jéssica, que dormia cedo como toda criança deve dormir, teve um pesadelo naquela noite. E como é comum em crianças, e mais especialmente em meninas, o medo provocado por um pesadelo leva imediatamente a busca desesperada por socorro e proteção, no caso de nossa criança, os confortáveis braços e cama de casal dos pais. Aquela noite mudaria a vida da pequena Jéssica para sempre, pois foi seu primeiro e desafortunado primeiro contato com o sexo. Morando numa casa grande, seu pai não ouviu seu choro e seus grunhidos, estava "distraído" com "outras coisas" se é que você me entende. 

A pequena Jéssica caminhando meio tonta e amedrontada pelos corredores que ligam o quarto dela ao dos pais, não percebeu que haviam vestes caídas pelo chão, vestes que não eram as de sua mãe. Seu bichinho de pelúcia, um simpático jabuti a desequilibrava um pouco devido ao peso, pois apesar de já ter uma idade considerável para uma criança, um fato que sempre acompanhou Jéssica na vida é a sua magreza visível. Aproximando-se da porta com passos macios, abriu-a lentamente, sem fazer barulho e pode testemunhar seu pai e a empregada executando a traição. Jéssica ficou mesmerizada por alguns segundos, talvez um minuto. Em seguida retornou ao quarto sem ter ainda plena consciência do que havia visto. Mas aquilo lhe havia tocado profundamente de alguma forma, a ponto de fazer-lhe esquecer do medo, embora não soubesse como ou porque.

Passaram-se ainda alguns anos antes que Jéssica tivesse a consciência do que vira e das implicações daquilo, e foi com 11 anos, já na puberdade que Jéssica entendeu o seu chamado de Afrodite, e tudo ocorreu na sala de aula de uma das escolas de ensino fundamental de Porto Alegre, durante uma aula sobre o sistema reprodutivo. Tal chamado foi o mesmo que nascera em si no dia daquele infausto acontecimento de quatro anos antes. Quando completou 12 anos, Jéssica foi surpreendida pela separação dos pais. Sim, foi surpreendida, pois nunca vira os pais brigarem nem discutirem. Naquela semana de seu aniversário, achou-os um pouco chateados e também muito ocupados com a festa. Mas nada que ela não pensasse que não poderia ser resultado de uma semana exaustiva de trabalho. E após aquela que foi sua festa mais cara e também a melhor festa de aniversário, veio aquela que seria sua maior decepção com a humanidade. No dia seguinte aos bolos, presentes e doces, sua mãe chamou-lhe no seu quarto e anunciou que "papai e mamãe não podem mais viver juntos" e que "papai gostava de outra mulher e que mamãe não confiava mais em papai". Poucas coisas são piores que ir da alegria extrema para o vale da depressão, Jéssica não só chorou de tristeza, mas chorou de raiva, raiva de si mesma.

Seu pai nem sequer fez questão de lutar pela sua guarda. Simplesmente foi embora, sem jamais olhar para trás. Nada de visitas pontuais ou de guarda compartilhada. Esquecimento. Só. Com uma mãe infeliz, afundada em medicamentos antidepressivos e focada no trabalho, Jéssica teve a adolescência livre de amarras e rédeas. Começou a beber aos 13, fumou seu primeiro cigarro de maconha aos 14, ano que coincidiu com seu primeiro namorado e a perda da virgindade. Envolveu-se tanto com rapazes bons como com ruins, embora os últimos fossem seus favoritos, talvez punindo suas "daddy issues". E foi quando revelou a mãe que sabia da traição do pai desde os sete anos, numa das muitas discussões que tivera com ela devido a más notas na escola e mau comportamento, que decidiu sair de casa. Na verdade, foi posta para fora aos 18 anos, após ter repetido o segundo ano um par de vezes. 

E ali foi a ocasião ideal para dar finalmente vazão ao seu Chamado. Começou como dançarina de pole dance no mesmo ano, arte que aprendeu com uma amiga que fez nas muitas "matadas de aulas" ao longo de sua estadia no ensino médio. E quando chegou aos 22 anos já era uma stripper numa casa noturna. Ainda não chegara ao vale profundo e escuro da prostituição, mas era o passo lógico se não fosse por um certo segurança de boate. Explico: Nesse meio tempo, envolveu-se com Gustavo, um rapaz drogado que era segurança da boate. Parecia ser atencioso apesar de tudo, mas numa noite de inverno após muitas carreiras de cocaína, decidiu fazer Jéssica de saco de pancadas, e foi de socos a pontapés, que deixou Jéssica desacordada. Após cair em si, Gustavo roubou o dinheiro do pagamento de Jéssica e fugiu. Jéssica passou ainda uma semana digerindo a surra, até os hematomas sumirem junto com as dores, e foi quando recebeu uma mensagem de sua amiga se compadecendo dela - pois como se sabe, no submundo dos bares e boates adultos, todos se conhecem e as informações correm rápido - , amiga esta que era a mesma que lhe ensinara a dançar no pole. A mensagem dizia de que ela havia se mudado para uma cidadezinha no interior a poucos dias, e que estava pensando em recomeçar sua vida por lá. Arroio do Padre era o lugar, ficava próximo a Arroio Grande, na serra gaúcha. Ali lhe brotou a ideia de que talvez precisasse recomeçar, e que sua amiga poderia lhe ajudar. Então, ligou seu carro - um simpático Ford Ka - e caiu na estrada rumo ao interior.

E chegamos então, enfim, a manhã como todas as outras ou quase, em que na expectativa de recomeçar sua vida num lugar melhor, Jéssica enfrenta o frio atroz do inverno e das altitudes do Rio Grande do Sul rumo a uma cidade que não conhecia. Como a viagem era longa, decidiu se hospedar num hotel numa cidade menor no meio do caminho, uma cidadezinha estranha, sempre envolta de neblina, com aproximadamente 800 habitantes, cidade esta que foi o maior erro de sua vida. Crescente, RS.

[ARK] DIÁRIO

 Diário de Arthur Reese Koller 2 de outubro A bomba caiu no café da manhã: estamos nos mudando pra uma tal de ilha Drauka. Litoral, mar, bri...