quinta-feira, 15 de agosto de 2024

[CONTO] Queens, Yale, Serra do Lago - IV

Nova Iorque, 13 de Dezembro de 2024 


A noite caía lenta e fria sobre Nova Iorque, lançando sombras longas e inquietas pelas ruas estreitas e úmidas. Aline desceu do trem, o som dos trilhos ainda reverberando em seus ouvidos como um eco distante de uma vida que parecia deslizar pelos seus dedos. Cada passo era pesado, como se ela carregasse o peso de todas as suas indecisões e sentimentos mal resolvidos. A estação estava quase deserta, o ar gelado e cortante parecia perfurar sua pele, mas ela quase não notava.

Ao chegar ao apartamento, a porta rangeu ao ser aberta, o som reverberando pelo espaço vazio. Aline deixou o casaco cair no sofá, seus movimentos automáticos e sem vida. No balcão da cozinha, o copo de café estava lá, como sempre. Junior nunca deixava de preparar uma xícara para ela, como se fosse um ritual sagrado. Mas o café estava intocado, o líquido agora frio, e essa simples visão pareceu destilar toda a tensão que se acumulava entre eles.

Junior a observava de onde estava, encostado na parede do corredor, seus olhos carregados de preocupação e fadiga. Ele havia tentado, repetidamente, entender o que estava acontecendo com Aline, mas cada tentativa era recebida com uma resposta curta, um olhar distante, e um muro erguido entre eles.

— Aline — sua voz quebrou o silêncio, carregada de uma mistura de frustração e carinho. — Você está bem?

Aline ergueu os olhos, mas evitou o olhar dele, concentrando-se em qualquer outra coisa ao seu redor. Respondeu com um simples "sim", mas a palavra soou vazia, sem vida.

Junior suspirou, passando a mão pelos cabelos, sentindo a tensão em seus ombros crescer.

— Isso é tudo? — Ele não podia mais conter a irritação em sua voz. — É só isso que você tem a dizer? Ultimamente, qualquer coisa que eu pergunto, você me dá essas respostas atravessadas, como se eu estivesse te incomodando só por me importar.

Aline ficou em silêncio, mas algo dentro dela parecia se partir com aquelas palavras. Ela não queria ser assim, mas o ciúme, a insegurança, tudo estava se acumulando como uma tempestade em seu peito.

— Talvez seja porque... porque você não entende — ela finalmente respondeu, sua voz tremendo levemente. — Não entende como é ver você, dia após dia, conversando com... Maryna.

Junior franziu o cenho, surpreso com a menção ao nome. Ele não esperava que Aline estivesse tão afetada por isso.

— Maryna? — ele repetiu, lentamente se aproximando. — Aline, ela é... era minha namorada, sim, mas isso foi há muito tempo. Agora somos apenas amigos.

— Apenas amigos? — Aline replicou, com um tom de amargura que a surpreendeu. — Amigos que relembram "bons momentos"? Que riem e se divertem enquanto eu estou aqui, sozinha, tentando me focar nos meus estudos, mas não consigo pensar em outra coisa além de... vocês dois.

Junior parou a poucos passos dela, sentindo a dor nas palavras de Aline, e percebeu que talvez tivesse subestimado o impacto disso tudo nela.

— Aline, eu jamais quis te fazer sentir assim. Eu gosto muito da Maryna, mas como amiga, e nada mais. O que houve entre nós acabou faz tempo, e hoje, o único lugar onde eu quero estar... é aqui, com você.

Ela levantou os olhos finalmente, encontrando os dele. O que ela viu foi um olhar sincero, sem vestígios de dúvida, e isso a fez sentir-se um pouco tola por todos os pensamentos que alimentara nos últimos dias.

— Mas e nós, Junior? — Aline perguntou, a voz mais suave agora, como se estivesse se permitindo ser vulnerável. — O que somos nós? Nós somos alguma coisa?

Junior aproximou-se ainda mais, até que estava bem à sua frente. Ele tocou o rosto dela com uma gentileza que parecia desarmar todas as defesas que ela erguera.

— Aline, você tem essa visão idealista do mundo, e é isso que eu mais amo em você — ele começou, com uma calma firme. — Você vê o que o mundo pode ser, o que nós podemos ser, e isso me dá esperança. Eu sou mais pragmático, eu sei que a vida é cheia de falhas, de riscos. Mas também sei que não quero viver em um mundo onde você não esteja ao meu lado. Eu não quero ser apenas uma sombra para você, quero ser a pessoa que caminha ao seu lado, seja qual for o caminho que você escolher.

Aline sentiu as lágrimas brotarem, mas dessa vez não eram de tristeza. Era como se todas as incertezas se dissipassem, dando lugar a uma clareza que ela não sentia há muito tempo.

— Junior... Eu tenho medo de destruir tudo o que construímos, tudo o que eu sonho. Eu quero ser alguém que faz a diferença, que muda o mundo, mas às vezes, sinto que para isso... eu teria que abrir mão de você. E isso me assusta mais do que qualquer coisa.

Ele sorriu, um sorriso cheio de compreensão e amor.

— Aline, você não precisa escolher entre seus sonhos e nós. Podemos construir isso juntos. Eu acredito em você, e se precisar, eu vou estar lá para te lembrar disso, todos os dias. Porque você é a minha esperança, e sem ela... eu também me perderia.

Aline assentiu, deixando que as lágrimas finalmente caíssem, mas dessa vez, havia um peso sendo aliviado de seus ombros. Ela se aproximou, envolvendo Junior em um abraço apertado, como se quisesse ancorar-se na presença dele.

Eles se olharam e se beijaram.

— Você sabe que hoje é minha estreia no The Ultimate Fighter America, não sabe? — Junior quebrou o silêncio, tentando amenizar o clima.

Aline sorriu, ainda abraçada a ele.

— Eu sei. Estou ocupada, mas prometo que vou fazer de tudo para chegar a tempo, nem que seja de ver você vencedor da luta.

Aline beijou o rosto de Junior e o deixou partir para sua luta. Aquele dia seria não só dia em que Aline e Junior se resolveram, mas descobriram que a Magia não era mais um segredo. Um garoto da idade deles havia parado um trem em alta velocidade a força fazendo-o parar sobre uma ponte de gelo sobre a Baía de Jersey. E por causa disso os velhos problemas de Serra do Lago voltariam a afligi-los.

FIM

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