Alice olhou para Aline com uma expressão que misturava tanto fascínio quanto apreensão.
— Sim, é planaltina — confirmou Alice, voltando seus olhos para a pequena flauta com a pedra incrustada. — Um mineral raro, encontrado quase que exclusivamente no Brasil e, em menores quantidades, em algumas regiões da África subsaariana. Mas, curiosamente, não tem nenhuma propriedade útil para a indústria. Não é valiosa, é de difícil extração e manuseio. Sua casca cinza esconde um interior azul claro, que é belo, mas... inútil. Um adorno estranho para uma flauta européia, não acha?
Aline estudou a flauta, a mente correndo em círculos enquanto tentava encontrar sentido naquilo. A planaltina, com todo o seu mistério, parecia ser nada que justificasse a atenção de sua mãe, que apesar de entender algo de paleontologia, era muito melhor como arqueóloga.
Sentindo o peso da situação, Aline pegou o celular novamente e tirou uma foto da flauta, enviando-a diretamente para sua mãe. A resposta chegou quase instantaneamente, mas em vez de uma análise ou uma explicação, recebeu apenas um emoji de polegar para cima. Um gesto mínimo, quase indiferente, que deixava mais perguntas do que respostas.
Alice percebeu a hesitação de Aline e se aproximou, o som suave das rodas de sua cadeira de rodas reverberando pelo ambiente silencioso.
— Agradeço muito por intermediar isso, Aline — disse Alice, sua voz expressando uma sincera gratidão. — Imagino que sua mãe entrará em contato assim que possível. E, por favor, entregue a ela o meu contato.
Aline acenou com a cabeça e anotou o número de telefone de Alice, passando-o imediatamente para sua mãe, ainda esperando alguma reação mais substancial. Mas não houve nada além daquele simples emoji. Algo estava definitivamente fora do normal.
Enquanto Alice se preparava para se despedir, Junior, que havia observado tudo em silêncio, franziu o cenho, a curiosidade visível em seu olhar.
— Como você sabia que Aline estava na cidade, se não tinha o contato da mãe dela? — perguntou ele, com uma leve desconfiança na voz.
Alice sorriu, um sorriso enigmático que não chegou a alcançar seus olhos.
— Temos uma conhecida em comum — respondeu ela, o tom leve, mas carregado de uma implicação subjacente que Aline não conseguiu ignorar.
Antes que pudessem questioná-la mais, um guarda uniformizado entrou na sala, pronto para escoltá-los para fora do museu. Aline e Junior trocaram um olhar, ambos cientes de que, por mais estranho que fosse o encontro, não havia muito que pudessem fazer ali, naquele momento.
Enquanto saíam do museu, Aline sentiu o peso das dúvidas acumulando-se em sua mente. Havia algo profundamente errado naquela situação — nas conexões que surgiam e nas respostas que não vinham. E, mais do que nunca, ela sentiu que estava sendo puxada para dentro de algo muito maior e mais perigoso do que poderia imaginar.
Os corredores do museu, agora vazios, pareciam estender-se indefinidamente, com as sombras lançadas pelas luzes artificiais se alongando como mãos invisíveis, tentando agarrá-los. Junior caminhava ao seu lado, em silêncio, mas ela sabia que ele também estava processando tudo o que havia acontecido. Quando finalmente chegaram à saída, a noite lá fora os envolveu como um manto pesado, o ar frio e úmido lembrando-lhes que estavam de volta à realidade, mas com um novo enigma para resolver.
Eles entraram no carro e, enquanto Junior ligava o motor, Aline olhou uma última vez para o museu, as luzes internas ainda acesas, mas já distantes.
— Isso foi estranho, até para os nossos padrões — murmurou Junior, tentando aliviar a tensão no ar.
Aline não respondeu. Apenas assentiu, ainda perdida em seus pensamentos, enquanto se afastavam do museu, deixando para trás mais uma peça solta em um quebra-cabeça que parecia crescer a cada passo.
O carro deslizou suavemente pela ponte Queensboro, suas luzes refletindo na camada de neve que cobria a estrutura, um reflexo gelado do caos que era o trânsito da Grande Maçã naquela noite. O ritmo lento dos veículos contrastava com o turbilhão de pensamentos que ainda ressoavam na mente de Junior. Ele mantinha as mãos firmes no volante, mas seus olhos, de tempos em tempos, desviavam-se para Aline, que adormecera no banco do passageiro.
A luz fraca dos postes, filtrada pela neve, iluminava suavemente o rosto de Aline. No sono, ela parecia mais jovem, quase frágil, como se toda a carga de mistérios e segredos que carregava durante o dia tivesse sido momentaneamente aliviada. Uma aura de tranquilidade envolvia seu semblante, e Junior não pôde evitar um sorriso. Ali, no silêncio do carro, ela era a mesma garota por quem ele se apaixonara — forte e determinada, mas com uma inocência que o surpreendia sempre.
Ele reduziu a velocidade, acompanhando o fluxo de veículos enquanto uma neblina sutil começava a subir do rio abaixo da ponte. Sentindo a necessidade de suavizar o ambiente, ele procurou no rádio uma música que fosse suave o suficiente para não perturbá-la. As notas melancólicas de Billie Eilish preencheram o espaço, uma trilha sonora inesperada, mas adequada para aquele momento.
Finalmente, após o que pareceram horas de um trajeto que normalmente duraria 45 minutos, eles chegaram à casa em Southgate Boulevard. O carro parou suavemente diante do jardim, agora completamente coberto por uma fina camada de neve que cintilava à luz do luar.
Junior desligou o motor e, por um momento, apenas observou Aline, ainda dormindo, o peito subindo e descendo em um ritmo constante e pacífico. Ele se inclinou levemente e, com uma delicadeza que poucos conheciam, tocou seu ombro.
— Aline, chegamos — sussurrou, a voz suave, quase um murmúrio.
Ela despertou lentamente, os olhos piscando para ajustar-se à escuridão ao redor. Por um breve instante, ela pareceu desorientada, mas então, ao ver o rosto de Junior, sorriu com uma ternura que aqueceu o coração dele.
Sem dizer uma palavra, ambos saíram do carro, os passos afundando na neve fresca enquanto cruzavam o jardim. O silêncio entre eles era confortável, quase sagrado, como se cada um estivesse perdido em seus próprios pensamentos, mas ainda profundamente conectados.
Quando finalmente entraram na casa de madeira e drywall, a claraboia no telhado do segundo andar deixava entrar a luz fria da lua, que se espalhava pelo chão de maneira suave e quase etérea. O calor interior contrastava com o frio lá fora, envolvendo-os em um abraço reconfortante enquanto trancavam a porta atrás de si.
E assim, sem mais palavras, o dia deles chegou ao fim. Aline subiu as escadas lentamente, enquanto Junior apagava as luzes e certificava-se de que tudo estava em ordem. A normalidade daquela noite parecia um bálsamo para a mente deles, uma pausa breve antes que os eventos estranhos e inexplicáveis voltassem a invadir suas vidas.
(Continua...)
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