Dante Osório ergueu os olhos quando a porta se abriu, esperando a entrada de uma enfermeira ou talvez de um médico, alguém com um semblante familiar e profissional. Em vez disso, ele se deparou com uma jovem loira de expressão resoluta e um rapaz de tez amorenada que irradiava uma estranha tranquilidade. Eles não pertenciam ao mundo estéril e controlado do hospital, e a surpresa rapidamente se transformou em desconfiança.
— Quem são vocês? — Dante exigiu, o tom autoritário denunciando o peso do seu status e fortuna. — O que querem de mim?
Aline hesitou por um momento, mas sua determinação logo emergiu. Ela abriu a boca para explicar, mas Dante não a deixou continuar.
— Vou chamar a segurança. Tenho dinheiro suficiente para acabar com a vida de vocês — ameaçou, sua voz cortante como uma lâmina.
Junior raspou a garganta, a tensão crescendo no ar. Aline, sentindo a urgência do momento, adiantou-se um passo, sua voz firme ao enfrentar o bilionário.
— Eu vi o que aconteceu — disse ela, fazendo Dante parar de imediato. — Eu vim do Brasil, porque um velho Pajé me pediu que viesse aos Estados Unidos para ajudar um rapaz chamado Benjamin. Eu nunca soube quem ele era... até hoje.
A expressão de Dante mudou, o olhar endurecido suavizou-se em uma mistura de curiosidade e incredulidade. Junior interveio, a voz grave e segura.
— Ela é uma feiticeira — disse ele, traduzindo para os termos que Dante entenderia. — Uma bruxa, como vocês dizem por aqui.
Pela primeira vez, Dante se silenciou, ouvindo.
Aline continuou, com uma honestidade quase desarmante.
— Eu não sei exatamente no que posso ser útil, mas acredito que conhecer Benjamin pode ajudar a esclarecer tudo. Se precisarem de qualquer coisa, podem entrar em contato conosco. Pelo que parece, as coisas estão ficando feias.
Antes que Dante pudesse reagir, a porta do quarto se abriu novamente. Um rapaz alto, de sotaque canadense, entrou, seguido por uma loira de franja partida e óculos grandes. Ambos pararam abruptamente ao ver Aline e Junior, os olhos arregalados em surpresa.
— Quem são vocês? — O rapaz começou, mas foi interrompido por Dante.
— São amigos — disse Dante, a voz menos firme, mas carregada de algo que parecia respeito relutante.
Aline trocou um olhar com a jovem loira, um reconhecimento silencioso passando entre elas.
— Rebecca — disse a loira, estendendo a mão para Aline. — E este é Caim.
Aline apertou a mão dela, sentindo uma conexão quase imediata. Junior também cumprimentou Caim, e por um momento, a tensão no quarto parecia ter se dissipado.
— Aqui está meu número — disse Aline, trocando informações de contato com Rebecca. — Se precisarem de ajuda, liguem. As coisas por aqui podem estar além do nosso controle.
Junior, num tom descontraído, mas com uma seriedade implícita, acrescentou:
— Se a situação piorar, conhecemos uma bruxa muito poderosa na nossa cidade natal. Ela tem... dragões.
Dante soltou uma risada sarcástica, a incredulidade pintada em seu rosto.
— Dragões? Sério?
Rebecca e Caim, no entanto, não pareceram tão céticos. Olhavam para Junior e Aline com um misto de fascínio e apreensão, como se estivessem reavaliando o que sabiam sobre o mundo.
O telefone de Aline vibrou, o som cortando o ar com uma urgência que ela não podia ignorar. Atendeu rapidamente, afastando-se um pouco do grupo, e murmurou algumas palavras ininteligíveis. Quando desligou, seu rosto estava pálido, mas determinado.
— Precisamos ir — disse ela, olhando para Junior. — Agora.
Junior assentiu, sem fazer perguntas. O tempo para respostas viria depois.
Eles se despediram brevemente, a pressa nos gestos e na voz. Aline lançou um último olhar para Rebecca e Caim, um olhar que dizia mais do que palavras poderiam expressar. Dante os observou sair, sua mente agora cheia de perguntas e dúvidas que não existiam antes.
Enquanto caminhavam pelos corredores brancos, modernos e impecavelmente limpos do Benedict's General Hospital, o silêncio clínico era quebrado apenas pelos passos firmes de Aline e Junior. O som das solas contra o piso encerado reverberava nas paredes, criando um ritmo inquietante que ecoava seus próprios pensamentos. Aline, com as sobrancelhas franzidas, respirou fundo antes de começar a falar.
— Minha mãe ligou — disse ela, a voz baixa, como se ainda estivesse processando o pedido. — Ela quer que a gente faça um favor para ela. Precisamos ir até o Museu de História Natural. A curadora do museu, uma mulher chamada Alice Roen, precisa da ajuda dela, e eu fui incumbida de ser a mediadora.
Junior olhou de relance para Aline, percebendo a tensão que pairava no ar entre as palavras. Sabia que qualquer menção à mãe de Aline, Daniele De La Viña, trazia sentimentos conflitantes para ela.
— Você e sua mãe não se falam muito, né? — comentou Junior, com cautela.
— Não — respondeu Aline, balançando a cabeça. — Daniele é... distante, para dizer o mínimo. Sempre foi. Ela vive para o trabalho. Só me procura quando precisa de algo. Bem diferente do meu pai, Archier. Ele sempre deu um jeito de estar presente, de ligar só para saber como estou. Ele é... como você.
Junior sorriu, sentindo um calor familiar ao ser comparado com Archier, alguém que ele sabia ser uma figura importante na vida de Aline. Mas, por trás do sorriso, havia uma preocupação crescente com o que essa viagem significaria para ambos.
Saíram do hospital e, apesar do caos na cidade, com ruas congestionadas e um clima de tensão palpável, pegaram o carro e dirigiram-se para Manhattan. A viagem foi lenta, o trânsito um mar de veículos que avançava como se estivesse em câmera lenta. Aline mantinha o olhar fixo na estrada, mas sua mente vagava por questões mais profundas.
— O Museu é gerido por uma mulher muito rica — comentou Junior, quebrando o silêncio da viagem. — Vi uma reportagem sobre isso outro dia. Ela é uma pesquisadora de renome, mas a família dela é que mantém o lugar funcionando com filantropia.
— Impressionante — Aline murmurou, seus pensamentos agora voltados para o que estava por vir. O Museu de História Natural era lendário, não apenas pela arquitetura grandiosa, mas também pela coleção de artefatos raros e inestimáveis que abrigava. Saber que Alice Roen estava no comando e, mais ainda, que sua mãe tinha alguma ligação com ela, só aumentava a estranheza do pedido.
Quando finalmente chegaram ao museu, as luzes externas já haviam sido acesas, iluminando a fachada imponente e os degraus de mármore que levavam à entrada principal. Um guarda uniformizado estava postado na porta, um homem robusto com expressão austera. Ao vê-los, ele logo informou que o horário de visitação já havia terminado.
— Viemos a pedido de Daniele De La Viña — Aline disse, seu tom firme e seguro. O nome fez o guarda hesitar. Após um momento de reflexão, ele pegou o rádio preso ao cinto e murmurou algo incompreensível.
Os minutos seguintes foram marcados por um silêncio constrangedor, enquanto o guarda os encarava com desconfiança. Junior, tentando aliviar a tensão, observou os arredores, mas o peso da espera era inescapável. Finalmente, o rádio chiou em resposta, e o guarda assentiu, abrindo a pesada porta de vidro.
— Podem entrar — disse ele, a voz grave ressoando na entrada vazia.
Ao atravessarem o limiar, Aline foi tomada por um misto de fascínio e curiosidade. Os corredores eram largos e adornados com exibições meticulosamente organizadas, mas o que mais chamou sua atenção foi o gigantesco esqueleto de Tiranossauro Rex, montado em toda sua glória, dominando o saguão de entrada. Os ossos, iluminados dramaticamente, projetavam sombras fantasmagóricas nas paredes, criando uma cena ao mesmo tempo majestosa e um tanto inquietante.
Junior, por outro lado, parecia maravilhado, os olhos brilhando ao ver a magnitude do T-Rex. Aline, entretanto, permaneceu focada, seus sentidos alertas para o que estava por vir.
Uma mulher em uma cadeira de rodas os aguardava no fundo do saguão. Ela parecia tão jovem quanto eles, talvez um pouco mais velha, mas havia algo em seu olhar que sugeria experiência além de sua aparência.
— Você deve ser Aline — disse a mulher, com um sorriso que não alcançou completamente os olhos.
Aline ficou um pouco surpresa. Não esperava encontrar alguém tão jovem no comando de um lugar como aquele.
— Não esperava... que fosse você — disse Aline, sem conseguir esconder totalmente seu espanto.
A mulher riu suavemente, um som que parecia ecoar pelas paredes antigas do museu.
— Recebo isso como um elogio. É bom ser subestimada às vezes — respondeu, mas logo cortou qualquer tempo para formalidades. — Sigam-me, por favor. Temos muito a discutir.
Aline e Junior seguiram-na pelos corredores silenciosos, onde sombras de artefatos antigos e esqueletos de criaturas extintas espreitavam nas vitrines, até chegarem ao escritório de Alice Roen. O ar ali estava carregado de história, mas também de mistério, como se as paredes do museu guardassem segredos que ninguém ousava desvendar.
Alice os conduziu por um longo corredor mal iluminado, onde as luzes fluorescentes piscavam, criando sombras inquietas nas paredes. O som dos passos ecoava, preenchendo o vazio entre os três, enquanto o silêncio denso da noite envolvia o museu. Quando finalmente chegaram a uma porta pesada de aço, Alice parou e virou-se para encará-los, uma expressão pensativa em seu rosto.
— O caos na cidade hoje... — Alice começou, sua voz baixa e medida — Me fez reconsiderar algumas coisas. Estava lidando com um artefato que acreditava ser um dinossauro estranho, encontrado no Mar do Norte, perfeitamente preservado no gelo. Mas os eventos de hoje me deram um insight. Talvez... talvez eu tenha estado errada.
Aline, ainda assimilando tudo, franziu o cenho. Dinossauros nunca foram sua área de interesse; números e teorias econômicas sempre foram mais sua praia. Junior, por outro lado, parecia lutar para conter a empolgação que crescia dentro dele, como uma criança prestes a presenciar algo extraordinário.
— Não entendo nada de dinossauros — Aline confessou, tentando compreender onde Alice queria chegar.
Alice, ignorando a admissão, continuou: — A princípio, parecia ser um dinossauro, mas os testes de datação por espectrometria de massa sugerem que essa criatura tem apenas 900 anos. E o estado de conservação... mesmo num bloco de gelo, é impossível. Algo não se encaixa.
Junior arregalou os olhos, mas antes que ele pudesse expressar sua incredulidade, Alice revelou uma foto. A imagem mostrava um dragão negro, majestoso e aterrador, preso em um bloco de gelo, com suas escamas brilhando à luz artificial como pedras preciosas escuras.
— Isso... — Alice hesitou, sua voz carregada de um misto de temor e fascínio. — Isso é o que encontramos. O gelo em que ele foi encontrado era denso, como se tivesse sido compactado por eras. Mas se foi formado apenas 900 anos atrás, é um mistério. É como se fosse permafrost, mas em uma camada recente.
Junior, com uma expressão que misturava espanto e satisfação, finalmente falou, a voz carregada de uma certeza que Aline não esperava.
— Isso não é um dinossauro... é um dragão.
Aline, num reflexo quase automático, repreendeu Junior, chamando-o pelo nome com firmeza, tentando conter o absurdo da situação.
Alice ergueu as sobrancelhas, claramente surpresa pela declaração ousada e pela reação apaixonada de Aline.
— Desculpe por isso — Aline disse, tentando recompor a situação. — Meu namorado... ele se empolga às vezes. Mas posso enviar essas fotos para a minha mãe? Ela pode ajudar a desvendar esse mistério.
Alice, ainda atônita, assentiu com a cabeça, permitindo que Aline enviasse as imagens.
Enquanto Aline mexia no celular, Junior, ainda fixado na foto do dragão, falou novamente, desta vez com um tom de advertência.
— Seja o que for que vocês planejam fazer com essa criatura... não a tirem do gelo. Eu conheço alguém com três dragões e isso pode ser perigoso se não for tratado com cuidado.
Alice soltou uma risada, incrédula, o som ecoando pelo corredor silencioso. A ideia de alguém possuindo dragões em pleno século XXI parecia um delírio. Virou-se para Aline, intrigada.
— O que ele é seu? — Alice perguntou, ainda com um sorriso cético nos lábios.
Aline, ao terminar de enviar as fotos, olhou para Junior com seriedade, então voltou-se para Alice, sua voz firme.
— Ele é meu namorado.
A surpresa nos olhos de Alice foi evidente, mas, em vez de recuar, ela se inclinou mais para frente, a curiosidade agora inflamando sua determinação.
— E o que ele diz é verdade?
Aline hesitou por um momento, mas então assentiu, reconhecendo a gravidade da situação.
— Sim, é verdade.
Alice, agora com uma nova luz nos olhos, olhou para Junior como se estivesse reconsiderando toda a situação.
— Então, quero conhecer essa pessoa. E ver os dragões.
Aline franziu o cenho, desconfortável com a direção que as coisas estavam tomando. Mas Junior interveio.
— Nós podemos fazer isso. Mas vocês precisam prometer que não descongelarão o dragão antes de termos certeza do que ele realmente é.
Alice concordou, o tom dela agora muito mais sério.
O celular de Aline vibrou em sua mão, a tela iluminando uma nova mensagem de sua mãe. As palavras foram um soco no estômago: "É o que eu temia."
Aline sentiu um frio percorrer sua espinha. Respondeu rapidamente, perguntando o que sua mãe queria dizer, mas o silêncio que se seguiu foi ensurdecedor.
Alice os guiou até uma última parada, revelando uma pequena flauta com uma pedra de planaltina incrustada na extremidade. Aline piscou, confusa.
— Isso... isso é planaltina? — Aline perguntou, a voz embargada pela incredulidade. — Achei que só existisse em Serra do Lago.
(Continua...)
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