sexta-feira, 16 de agosto de 2024

[CONTO] A Ascensão de todos os males - Capítulo 1 - Parte 5

Criado por Celso Alencar, contribuições de Rodrigo Gabriel e Arthur R. Ribeiro

Aline hesitou por um instante antes de bater na porta entreaberta da pequena casa de madeira. O som de seus nós dos dedos ecoou levemente, misturando-se ao farfalhar do vento que soprava do mar. Junior, sempre atento, aguardava um pouco atrás, os olhos fixos na faixa de areia cinza que se revelava a cada onda, onde a neve recém-caída se desfazia ao toque da água salgada.

A porta se abriu com um rangido, revelando uma criança de olhos azuis brilhantes, bochechas rosadas e um sorriso tímido. Aline se abaixou para ficar na altura do pequeno e deu-lhe um afetuoso cafuné, percebendo que ele tinha uma estranha semelhança com Caim. No entanto, ela não comentou, preferindo manter a atmosfera leve.

— Qual seu nomes? - Perguntou Aline.

— Jorge. — Respondeu o garotinho.

— Olá, Jorge, — disse ela suavemente, e o garoto sorriu, convidando-a para entrar com um gesto.

Dentro da casa, o calor era reconfortante, mas a cena que a aguardava era incomum. Uma mulher idosa, de pele amendoada e olhos cegos, estava sentada em uma cadeira de balanço ao lado de um homem loiro e de cabelos curtos que caíam sobre a testa. Rebecca, já familiar, estava ali também, de pé ao lado da janela, observando o mar com uma expressão de preocupação.

— As coisas estão complicadas, — começou Rebecca, virando-se para Aline. — Apesar de Benjamin ser visto como um herói por muitos, há uma parcela crescente da população que quer nos transformar em monstros.

Junior, ainda do lado de fora, observava o interior da casa com curiosidade e olhou para o homem loiro e perguntou:

— Qual o seu nome?

— Alex Grippe, — respondeu o homem com um aceno de cabeça.

— Eu sou o Junior, — disse ele, e os dois ficaram se entreolhando em silêncio por alguns segundos antes de Junior comentar de forma casual:

— Capaz de chover, né?

— É, — concordou Alex, sem muito entusiasmo.

Aline voltou sua atenção para a mulher idosa, que não se apresentou, a voz suave e cheia de sabedoria.

— Já ouviu falar do Arkaneus de Toronto? — perguntou a anciã, os olhos sem vida parecendo enxergar mais do que Aline poderia imaginar.

— Sim, — respondeu Aline, surpresa pela menção. Ela sabia que Helena Costa, seu eterno desafeto, era uma espécie de embaixadora da organização em sua cidade.

A anciã, Rebecca e Aline se moveram em direção a um quarto nos fundos da casa. Aline notou com admiração como a anciã, apesar de cega, andava com segurança e familiaridade pela casa, como se enxergasse com outros sentidos. Quando chegaram ao quarto, a anciã afastou um guarda-roupas, revelando uma maquete intrincada de um edifício.

— Sente algo vindo daqui? — perguntou a anciã, sua voz agora carregada de uma gravidade que Aline não pôde ignorar.

Aline se aproximou, tocando levemente a maquete. A energia era fraca, quase imperceptível, mas ela sentiu. Seu coração acelerou ao reconhecer a sensação, uma vibração mágica sutil que ela já havia experimentado antes, quando Guilhermina, a misteriosa bruxa de Serra do Lago, a havia envolvido em um de seus feitiços.

— Sim, há algo aqui... — Aline começou, mas antes que pudesse terminar a frase, uma força invisível a puxou. O quarto ao seu redor se desfez como fumaça, e ela se viu em um novo lugar.

Aline estava agora em um vasto salão, suas paredes cobertas por símbolos herméticos antigos, cada um emanando uma aura de poder. O ambiente era suntuoso e luxuoso, mas o que mais a impressionou foi a neve que caía suavemente dentro do próprio prédio, cobrindo o chão e os móveis, como se o inverno tivesse invadido o interior do Arkaneus. Ela ficou ali, perplexa, enquanto a realidade à sua volta se moldava em algo etéreo, quase onírico.

Uma voz ecoou pelo salão, cortando o silêncio gélido.

— Bem-vinda ao Arkaneus de Toronto. Ou, pelo menos, à imagem residual dele no Oníron.

Um homem de cabelos pretos e feições quase escocesas olhava para ela.
— Surpreende-me que alguém tenha sentido a minha presença, sobretudo estando eu tão distante no espaço e também nos Reinos do Ser.

Aline empalideceu, pois o homem transmitia uma aura de poder desconcertante.

— Nem a bruxa cega me sentiu... Espere... Não consigo ler sua mente. - O Homem se espantou.

— Quem é você? - Perguntou Aline.

— Sou Isaac... Novo líder do Arkaneus.

Aline não sabia quem mandava no Arkaneus, mas ao se apresentar como novo líder, aquilo soou estranho.

— Você é linda. E deve ser uma bruxa poderosa. Acho que será apropriado o convite então. — O homem coçou o queijo pensativo.

— Que convite? - Aline perguntou ainda em estado de certo torpor.

— Junte-se a mim, seja minha esposa. E ajude a mim e ao meu mestre a governar o novo mundo.

Aline achou aquilo mais estranho ainda. O Arkaneus, que ela soubesse, tinha um líder que não obedecia a ninguém. E este que se apresentava como novo líder do Arkaneus parecia ser subordinado a um mestre.

—  Como assim, novo mundo? — Aline indagou.

— Um mundo onde nós, agraciados com o dom da magia, não precisaremos nos esconder como ratos daqueles que são inferiores a nós. - Isaac sorriu como quem esperasse uma retribuição.

— Então você quer se revelar para o mundo?

— Nós já fomos revelados por aquele rapaz tolo. E agora começarão a nos perseguir, provavelmente. O velho decrépito de Washington já está se ajuntando com nossos perseguidores a essa altura. - Disse o homem.

— E o que faremos com eles? - Aline indagou curiosa.

— Infelizmente não se faz um novo mundo sem algumas mortes... Alguns bilhões, é claro.

Aline ficou horrorizada. "Como?" ela perguntou.

— Um pequeno genocídio dos não-bruxos, é claro. Não mataremos a todos - por óbvio! - Alguns poderão ser ótimos bichinhos de estimação.  - Isaac gargalhou.

Um silêncio se interpôs entre eles. Isaac então se deu conta de que algo estava errado com a moça em sua frente.

— O que foi? Achei que fosse gostar do plano.

Aline após se recuperar do horror inicial, arregaçou as mangas como se fosse encher alguém de "bolacha", e pôs-se a falar:

— Primeiro, que eu sou ótima de planos. E isso que você me contou é na melhor das hipóteses uma carta de intenções. Não chega nem mesmo a ser um plano. Segundo, que há beleza na humanidade tal como ela é. A magia macula o mundo, tira a graça e a beleza dele. Não há magia maior que uma árvore que cresce sozinha e está parada no mesmo lugar a várias décadas e séculos. Assim são os humanos. Terceiro, se você acha que eu vou aceitar um sujeitinho como você fazer algo assim, saiba: O homem que eu amo, e pelo qual estou disposta a matar e morrer é um não-bruxo, e eu tenho certeza que ele vai lhe partir essa caixa de sapatos que você chama de cara.

Isaac fez feições de nojo.

— Te deitas com um não-bruxo. És uma imunda!

— Não terminei! - Aline gritou — Quarto! Eu vou criar um plano contra você, e não se esqueça disso: Você não pode ler a minha mente!

Isaac fechou o cenho embebido em ódio, e despachou Aline de volta ao mundo real.

(Continua...)


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