segunda-feira, 20 de maio de 2024

[CONTO] História dentro da história III

 Arthur Ribeiro

Serra do Lago, 09 de Maio de 2006 - 12:34


Marisa não teve tempo de considerar nenhuma hipótese diante da pergunta de Alexandra, pois logo das sombras profundas dos recônditos não explorados da casa grande do antigo hotel-fazenda uma criatura bestial envolta em ondulações sombrias saltara da inexistência para existência correndo, feroz e ameaçadoramente em sua direção e na de Alexandra. Seus instintos mais primitivos saltaram às veias e nervos em seu corpo, e tudo que ela pôde fazer, era deixar cair sua máscara de coragem e sair correndo aos berros.

Marisa acreditou que Alexandra estava logo atrás dela enquanto corria escada acima. Só se deu conta que não quando tropeçou no escuro do último degrau enquanto a auréola dourada da lanterna percorria aleatoriamente as paredes enquanto seus braços se moviam ferozmente numa corrida desesperada. Quando deu com os seios no chão ao tropeçar, itens de sua mochila voaram para todos os lados. Catou os que pôde, e ao ouvir um ganido alto como um assovio vindo de trás dela, se levantou velozmente e saiu correndo para a escuridão que a aguardava com uma face nada amigável. Ao chegar no fim do caminho Marisa bateu com o peito num parapeito de madeira que dava vista para o andar de baixo e se não fosse o fato de ser baixinha e leve, teria caído de 4 ou 5 metros de altura no primeiro piso, onde certamente viraria comida de monstro. Recobrando o fôlego achou uma porta aberta e entrou. Ela se sentou arfando fortemente e tremendo de medo. Na sua cabeça ela quase podia ouvir as risadas de sua irmã morta em meio a provocações: "Você é um fracasso! Uma vergonha pra os Costa!" A medida em que essa voz perturbadora mental crescia na consciência de Marisa ela levava as mãos a cabeça e enfiava o rosto entre as pernas em um gemido que se não era medo era algo mais.

Um silêncio se interpôs no lugar. De repente é como se tudo não passasse de um lugar escuro e ela, uma menininha boba, com medo de sombras na parede. Marisa pôs os olhos na greta da porta para tentar ver o corredor. E tudo o que ela via eram pequenos pontos de luz vindos do teto esburacado e alguma penumbra. Tomando coragem ela pôs a cabeça para fora e também a lanterna. Então viu um vulto de uma pessoa caminhando. Seu coração gelou. Os passos puderam ser ouvidos a direita na direção do vulto. Eram passos leves, suaves, mas ela os ouviu, de certo! Não estava ficando louca.

Saindo de quatro, rastejando com a lanterna na mão e a mochila nas costas, chegou até ao lugar onde trombou com o parapeito. Pensou ter ouvido um chamado baixinho de Alexandra. O medo percorreu suas vísceras. Ela já conseguia imaginar Alexandra agonizando em sangue, tripas e morte. E a culpa era dela, que a abandonou. Novamente, a voz de Marjourie a perturbou de algum modo. "Você é uma covarde! Assassina terceirizada! Você não matou ela, mas a entregou ao monstro!". Marisa gemeu e disse "Não! Não sou!", sua cabeça agitava-se em negação nervosamente, tremendo. Então de repente um tropéu surge de um recanto escuro e ela vê o chão se erguer como uma bolha de madeira e estourar. Um pedaço de madeira pontiagudo voou na sua direção e se fincou em sua perna. Seus olhos viraram enquanto uma dor terrível se espalhava por todo o seu corpo. Ela gritou de dor e caiu de lado. Ainda teve tempo de ver um brilho forte ao ouvir o grito de Geist! de Alexandra. Tomando coragem, ela mesmo ferido e sentindo o sangue escorrer pela perna, abriu a mochila, pegou uma runa e imediatamente utilizou-a. - Anhã! - Disse ela. Imediatamente seu ferimento se fechou enquanto seu corpo projetava a madeira para fora sozinho. No entanto, era tarde demais, sua meia 3/4 branca estava suja de sangue e havia um rasgo em sua saia. E o cheiro de sangue atraiu o monstro. Marisa não teve escolha. Ela subiu no parapeito e saltou para a escuridão. Dois minutos antes ela temeu cair do segundo andar, dessa vez, ela mesma saltou.

O espaço de tempo entre o salto e o impacto foi curto. Mas diferente de um chão duro, ela caiu sobre algo macio. Parecia feno. Um pouco de luz entrava pelas brechas nas tábuas da parede, e ela percebeu que havia caído em um inesperado depósito de feno. Ela tratou de se levantar e sair dali, ainda mancando um pouco, e ao sair, se deu de cara com o que parecia um misto de cativeiro e escritório. Havia papéis por todos os lados, e havia uma jaula com uma criança amarrada e com a boca coberta em silvertape. Era uma menina de cabelos pretos e olhos azuis. Ela estava magra, e tinha sinais desidratação tão evidentes que, mesmo Marisa não sendo médica, percebeu. Seus olhos desesperados clamavam por ajuda. Ela havia sido abandonada ali a alguns dias provavelmente.

Marisa abriu a portinhola e, movendo a lanterna para a direita, percebeu que havia uma segunda jaula, mas coberta de excrementos e um cheiro forte urina. Não que a da menina que encontrou fosse diferente, mas pelo menos ela estava viva. Tirando a fita da boca da menina, ela gemeu, mas falou:

- Help! I want my daddy! - E começou a chorar.

Marisa, enquanto envolvia uma criança que falava inglês com sotaque britânico e que nunca viu no braço, pela primeira vez naquele dia, não ouviu a voz de Marjourie, apenas o silêncio.

(Continua...)


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