domingo, 19 de maio de 2024

[CONTO] História dentro da história II

 Arthur Ribeiro

Serra do Lago, 09 de Maio de 2006 - 12:35

Marisa e Alexandra entraram pela porta da frente, mas logo perceberam que o local já havia tido visitantes antes. Um grupo de barris de madeira foram posicionados na entrada, impedindo a passagem. Mas isso não era obstáculo para uma ginasta. Outra coisa os preocupou. Nos barris das pontas havia duas hastes de madeira roliças, lembravam cabos de vassoura, eles estavam posicionados dentro dos barris sem tampa e unindo ambos uma faixa policial tingida em preto e amarelo isolando a área como cena de crime.

- Acho que a gente não devia entrar. A gente vai estar cometendo um crime se entrar. - Falou Alexandra.

Marisa bufou forte e reclamou:

- Não vim até aqui pra nada! Se essa faixa está aqui é porque não querem que a gente entre por aqui. Existem outros buracos na parede. A gente dá a volta, acha um e entra.

Alexandra processou o argumento por um segundo e deu de ombros.

Ambas saíram e contornaram a casa, procurando por falhas na madeira externa. Não era raro achar buracos e pedaços faltando, mas não haviam achado até então, um grande o bastante para que elas coubessem. Contornaram um pouco mais e chegaram, quase nos fundos, numa passagem apertada, mas que em teoria, caberia as duas. Com algum esforço elas entraram, um pedaço da blusa azul que Marisa estava usando agarrou numa farpa e acabou rasgando. A mais jovem dos Costa xingou. Ambas entraram apreensivas. O lugar era escuro e sinistro um cheiro de mofo e podridão se espalhava pelo ar e apenas algumas zonas penumbrosas eram visíveis por algumas falhas no telhado de terracota.

- Pega a lanterna, se não a gente vai ficar perdida. - Pediu Alexandra.

Marisa colocou o óculos de sol no cabelo, e fez conforme solicitado. Com as lanternas em mãos, a caminhada se tornou muito mais fácil, elas estavam num lugar que parecia um tipo de dispensa abandonada. Havia ali sacos velhos que deviam ter armazenado alguma comida no passado. Havia ainda cogumelos em algumas prateleiras. O ziguezaguear das auréolas luminosas feitas pelas lanternas gerava alguma tontura, mas revelavam o ambiente. Facilmente localizaram a porta de saída da dispensa. Ao sair, se depararam com uma cozinha velha. Havia um fogão a lenha ali, mas qualquer outro sinal de mobília se perdera ou fora retirado muito antes. 

- Até agora, tédio. - Murmurou Marisa.

- Que bom. - Suspirou aliviada Alexandra.

Elas seguiram caminhando um pouco mais conversando suas tremendas trivialidades.

- O que você acha que a sua irmã e o policial Souza estão fazendo agora em Vitória? - Perguntou Alexandra.

- Certamente se divertindo mais do que nós nessa ruína escura e cheirando a mofo.

- Já foi a Vitória?

- Já. É um lugar bem legal. Me sinto bastante a vontade lá. As pessoas estão sempre na moda, muito bom gosto e é um lugar bastante bonito. - Disse ela. - Mas você veio do Rio. Não deve ser estranha a descrição - Completou.

- Ah, sim. O Rio é bom. Só que tudo é muito longe e o custo de vida é um bocado alto.

- Vitória não é diferente. Aliás, talvez goste por causa disso... Não tem muitos Peter Cleitons por aí. - Marisa deixou escapar um riso sincero.

-  No Rio isso tem a beça! - Alexandra devolveu a risada, porém Marisa interrompeu.

- Ouviu isso?

Alexandra parou e escutou. Ela ouviu um som rosnado distante, quase acharam que era um animal, então, a medida em que o som se intensificou, perceberam que era um carro. Nesta altura já haviam saído da cozinha e estavam em um tipo estranho de corredor. Um cheiro esquisito e desagradável tomava conta do ambiente. Marisa caminhou até uma parede que julgava que dava divisa com o lado de fora, e espiou por um buraco. Não conseguiu ver muito, mas viu o momento em que um carro preto levantou poeira e estacionou. A nuvem de poeira era tamanha que ela não conseguiu ver a pessoa.

- Tem alguém aqui. Silêncio! - Disse Marisa.

Alexandra confirmou com a cabeça, e ambas saíram apontando lanternas por aí. Elas ouviram outros passos na casa, mas ela era tão grande que os ecos causavam confusão, pareciam vir de muitos lugares ao mesmo tempo. Agora elas já tinham saído do corredor e chegaram ao hall de entrada. Elas conseguiam ver a porta e os barris.

- Veja! Alguém removeu a fita de isolamento e arredou os barris - Pontuou Alexandra aos sussurros.

- Definitivamente não estamos sozinhas - Concordou Marisa.

- Será o assassino? - Alexandra tremeu.

- Tomara que não.

Elas seguiram caminhando, um cheiro de podre  tomou conta do ar. Estava muito forte, alguma coisa havia morrido ali. As lanternas revelavam riscos e marcas no chão. Linhas perfeitamente circulares revelavam pentagramas e hexagramas. Elas não falaram nada, mas perceberam que haviam chegado no lugar da fotografia. Alexandra foi a primeira a perceber um risco de giz no chão no formato de um corpo, mas apesar da marca de sangue e um estranho líquido viscoso preto, não havia corpo.

Marisa quase vomitou, e Alexandra teve que sustentá-la pelos braços. A ginasta, tomou coragem apesar da cara de nojo e com uma parte da frente da lanterna tentou encostar no líquido preto, e para sua surpresa, ele nem chegou a molhar a lanterna. O líquido, que parecia viscoso, literalmente evaporou como se fosse éter, ou como se tivesse sido lambido pelo simples contato com a luz da lanterna.

- Ok, isso definitivamente é estranho. - Alexandra falou.

Marisa tentando segurar a náusea, concordou com a cabeça e a mão na frente da boca.

Um estalido alto, um som de madeira oca e podre ressoou no teto, quem quer que estivesse ali, estava no segundo andar. Mais som de passos e rangido de madeira velha, estavam indo para algum lugar à retaguarda delas. Marisa, dando as costas a gosma apontou a lanterna na direção, e encontrou uma escada para o segundo andar. Havia marcas de sangue seco nela, e um outro risco de giz. Dessa vez escutaram um sussurro... Ou seria um resmungo? Parecia vir de algum lugar a direita da escada, de algum lugar que elas ainda não tinham explorado.

- Para onde vamos? - Perguntou Alexandra - Escada ou Direita?

 Marisa pensou, mas não teve tempo de concluir. Uma imagem aterrorizadora, que parece ter saído de um pesadelo, emergiu das sombras a direita. Um homem com o rosto deformado, faltava-lhe uma parte da cabeça e o que sobrara do cérebro estava pendurado do lado de fora por um tipo de tecido corporal que não se rompeu, talvez por um filamento de pele... Era impossível dizer. As meninas congelaram. A criatura falou algo em uma língua ininteligível. Sua voz era gutural e grave, como o mugido de um boi, sobre seus olhos e corpo um tipo de fumaça negra oscilava como se fosse uma aura ou ondulação. E o que quer que fosse, correu na direção delas com dentes a mostra revelando uma língua e céu da boca pretos como carvão. Marisa correu desesperada gritando. Alexandra permaneceu atônita e a única coisa que fez foi apontar a lanterna pra criatura num movimento involuntário de se proteger erguendo as mãos na direção do rosto.

Nada aconteceu se não um ganido como se fosse de cão. Faíscas saíam do corpo da criatura onde a lanterna tocava e ela parecia sofrer. Sem ver para onde Marisa tinha ido, Alexandra correu para a escada. Subiu as pressas o mais rápido que pôde. Quase tropeçou uma ou duas vezes, e escutou os passos apressados do que quer que fosse aquilo atrás delas.

Ao terminar de subir para o segundo andar, procurou por Marisa.

-Marisa! Cadê você? Eu estou com medo. Estou sozinha. 

Alexandra já ia começar a chorar quando viu dois papéis pequenos no chão. Havia runas desenhadas nela, e a caligrafia era de Marisa. Alexandra segurou aquilo como se fosse a própria vida e seguiu caminhando. Subitamente o chão sob os seus pés se eleva como se fosse ondular, como uma onda num lençol que se pretende esticar. E na sequência desse movimento antinatural, ele se parte e se fragmenta em centenas de pedaços com a criatura necrótica emergindo através dele como se com um salto e uma cabeçada, tivesse destruído o chão.

Alexandra não pensou duas vezes, e gritou Geist! Sem nem pensar em alguma coisa específica. A única coisa que ela pensou, o mais próximo de um conceito racional, foi em sair dali. O mundo girou, ela sentiu uma tonteira e uma luz branca surgiu. E ela se deu conta de que havia voltado para a escuridão. Ela estava caída em um beco da casa. Sua lanterna estava caída do seu lado e os dois papéis haviam se pulverizado na sua mão num brilho branco. Mas nenhum sinal da criatura. Ela tinha, de alguma forma, se teleportado pra outro ponto da casa. Um cheiro horrendo vinha da sua direita. Muito mais intenso do que qualquer outro, ao pegar a lanterna e ver o que era. Ela gritou de horror novamente. 

Uma criança! Uma pobre criança! Morta. Seu peito estava aberto e coberto de vermes e criaturas necrófagas. Seu corpo nu estava coberto de marcas que apreciam arranhões e suas intimidades, expostas, em condições traumaticamente indizíveis.

Alexandra se afastou rastejando sentada, de costas para o breu à sua retaguarda, quando uma mão estranhamente cheirosa, mas forte, a puxa pras sombras tapando a sua boca. Uma voz feminina e grave sussurra: - Calada! Vai atrair o monstro!.

(Continua...)




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