Arthur Ribeiro
Serra do Lago, 09 de Maio de 2006 (sexta-feira).
Por um segundo Marisa se sentiu ridícula. "O que você está fazendo, sua idiota? Você não está indo para uma aventura de camping no quintal, é uma cena de assassinato!". E talvez, em parte por essa sensação de vergonha alheia, Marisa quase teve certeza por um segundo de que a vegetação rala ao lado dos eucaliptos que cercam a escola tomou as feições do rosto de sua irmã falecida, como se fosse de um julgamento cruel e mordaz. Seria uma ilusão? Um ardil perverso de sua mente?
Seus pensamentos foram interrompidos pela voz suave aveludada de Alexandra.
- Desculpa o atraso! O treino hoje foi puxado!
Marisa voltou seus olhos surpresos pelo despertar de suas inculcações.
- Tudo bem, foram apenas quatro minutos de atraso - Disse ela após olhar o celular.
Um silêncio um tanto patético tomou conta do ambiente.
- Você vai assim? - Perguntou Marisa a Alexandra. - Com um collant de ginasta e calçando uma sapatilha de balé? Acho que você não está entendendo a gravidade do problema que iremos investigar...
Antes que Alexandra pudesse se justificar, era quase como se Marisa pudesse ouvir uma voz grave, grave como a de sua irmã no seu subconsciente, perguntando com sarcasmo: "E você sabe, sua tola?"
- Foi mal. É que para não atrasar muito não tive tempo de me trocar. Vou me vestir no carro.
O chofer chegou com o sedan preto de vidros fumês, ambas entraram e disseram ao gentil motorista que sorria com os olhos, que elas iriam ao píer das balsas pois tinham uma atividade de escola do outro lado do lago.
O homem não questionou, aprumou o carro e o direcionou ao local indicado. Enquanto ele passava pela Avenida Beira-Lago, o olhar de Alexandra se perdia no azul do lago, ela olhava e via a linha pontilhada de verde do Bosque dos Alves do outro lado. Um lugar que as lendas urbanas locais reputavam como cenário de coisas ruins. Desde que Helena abrira o jogo sobre a cidade e o colégio, Alexandra já não sabia mais se eram só lendas. A meio caminho de lá, havia uma ilha - a Ilha de Santo Antônio - uma reserva ambiental que era entreposto entre as balsas. Uma equipe de biólogos sempre entravam e saía da ilha usando o sistema de balsas. Enquanto se vestia de modo menos esportivo, a atlética jovem de 18 anos, "a repetente", como algumas ginastas do Clube Tupã a chamavam desde que ela parou de andar com elas, sentia um leve calafrio correr as espinha conforme percebia o quão insano era aquilo tudo.
- Chegamos! - Exclamou o chofer - A que horas volto para buscá-las?
- Às 18 horas. - Vamos comer por aqui mesmo.
O motorista assentiu que sim com a cabeça ao desovar as meninas no píer e rumou o carro para casa.
11:18
Na balsa havia três carros. As pessoas esperavam dentro. Havia ainda alguns homens e mulheres com o uniforme do Ibama, e elas, duas jovens muito corajosas ou muito burras. Conforme a embarcação singrava as águas do lago, ambas pareciam tão nervosas que não se incomodaram com o silêncio latente entre elas.
11: 52
Enfim, o silêncio foi quebrado quando desceram do barco. Havia um longo caminho até o local do antigo hotel-fazenda, elas pegaram a estrada a esquerda da bifurcação. (A direita levava a base do DIX)
Seguiram e não tardou a começarem a falar.
- Marisa... Cê sabe que o Sete gosta de você, né?
- Eca! - Diz ela ajeitando os óculos escuros nos olhos, que antes estavam sobre sua cabeça.
- Ah, ele é legal. - Diz Alexandra um pouco vermelha, embora não se pudesse dizer com clareza se era o sol de quase meio-dia ou algum rubor.
- Não faz meu tipo. Mas se você quiser ficar com ele, fique a vontade.
- Não! Não! Eu sou velha de mais pra ele.
Marisa simplesmente parou no meio da estrada de chão ressequida, olhou bem para a ginasta, e falou em tom acusativo:
- Velha é a Helena. Vocês tem três anos de diferença. Falando assim até parece que você tem 77 anos. E olha minha irmã! Ela está dando uns pegas no Renan.
Alexandra arregalou os olhos surpresa com a resposta. Marisa estava mudada. Antes sua percepção era de uma menina que implorava uma vaga no Clube Tupã. Uma mendiga de aprovação social. Agora ela estava diferente, parecia outra pessoa. Direta, sarcástica, acusativa. Falava o que pensava.
- O que foi? Vai ficar me encarando assim com essa cara de assustada? - Marisa indagou. Vamos voltar a caminhar. O local é distante.
Alexandra agora vestia uma short largo (folgado) que cobria as pernas desnudas pelo collant verde e cinza - cores da escola - e por sobre o collant no tronco, vestia uma blusa verde da equipe de ginástica do colégio com o zíper aberto no peito revelando os dois "C's" cruzados, logo reformulado da instituição.
- Eu queria que o Sete me olhasse como ele olha pra você... Só isso - Desabafou ginasta.
- Faça ele olhar. De minha parte meu interesse é zero... Por que a gente não se foca na missão, ok?
Marisa falava isso com certa rispidez, mas a verdade é que falar sobre trivialidades de adolescente estava tirando a tensão do ambiente. Ela realmente não gostava de Sete... Quer dizer, não como ficante ou namorado. Achava-o até bonito, mas Marisa não via outros atrativos para além disso. "Se ao menos ele tivesse a personalidade séria do Rian ainda seria alguma coisa", pensava ela. Mas o fato era que o jeitão irônico e com "humor de tiozão" dele com hordas de "daddy jokes" a cada cinco minutos não lhe descia, ainda que o achasse um bom amigo.
12:31
- Chegamos. - Disse Alexandra cortando os pensamentos de Marisa.
Marisa emudeceu diante do lugar.
Diferente de um gentil bosque de eucaliptos e abetos, o que havia na sua frente era um ralo início de selva, um raro trecho de mata atlântica com cipós, árvores de folhas largas, samambaias, e ela podia jurar que viu uma ou outra bananeira. E no meio dessa clareira de entrada, uma construção de madeira, feita em ripas. Era grande. Devia ter pelo menos uns 16 quartos no prédio principal. Marisa lembrou-se que sua mãe, no passado distante de seus tempos de adolescente, ficou hospedada no local. Ela dizia que havia casas avulsas próximo a açudes e pastos onde as pessoas podiam ficar em locais que eram mais propriamente residências que quartos.
Mas isso foi a muito tempo. Alexandra olhava temorosa, agora percebendo que aquela não era uma grande ideia. A fachada tinha uma varanda com telha, caída de um lado. A umidade corroeu quase tudo que fosse na madeira escura. Cipós e ervas daninhas, bem como juncos, cresciam entre o musgo nos buracos e fendas da madeira apodrecida e havia muitos trechos do lugar completamente corroídos pelo tempo e pelos cupins. Se não fosse pela mata ao redor, alguém poderia dizer que se tratava de uma construção de faroeste abandonada.
Alexandra engoliu a saliva na boca, Marisa respirou fundo. E silenciosas entraram pela porta de um prédio no mínimo que cheirava a "coisa errada e mau assombro".
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