terça-feira, 26 de setembro de 2023

RPG, Estética e Recorte Temporal (Parte 3) - Anos 2000

 Olá, amigos! Cá estamos nós de novo para relacionar o RPG e a estética de uma época. É particularmente curioso que, apesar de receber poucos feedbacks diretos sobre os artigos, eles têm tido um retorno em visualização muito acima da média. Tenho tomado isso como um sinal de que tem muita gente interessada tanto no tema RPG e Estética, quanto só em estética. Seja como for, continuarei escrevendo enquanto tiver assunto para falar e as visualizações seguirem dando um retorno positivo.

Os anos 2000 foi a "minha época de ouro" digamos assim. Portanto, será muito difícil falar dela sem que eu me envolva emocionalmente e a imparcialidade será algo muito difícil. Graças em grande parte a minha memória afetiva com o período, que eu criei o meu cenário de mistério e terror chamado de "O Sopro", o qual ainda não divulguei aqui mas o farei em breve. Como disse no primeiro artigo (o que deu início a todo esse palavrório improfícuo), ele se trata da junção elementos de low fantasy ao estilo Harry Potter com Terror e estética Y2K e frutiger aero (as quais veremos aqui), por conta de muito dos seus eventos-chave se passarem entre os anos de 1998 e 2006. Aquilo que eu apreciar bastante nos anos 2000, mas que nem de longe for algo representativo da década, mas apenas uma particularidade minha, tentarei suprimir ou, quando muito, mencionar nominalmente.

Os Anos 2000:

As estéticas dos anos 2000 recebem várias heranças dos 90, e passam por tantos tópicos diferentes que daria vários artigos desse. Mas tentarei me focar nos mais importantes. O grunge e o Y2K são estéticas herdadas dos 90 que têm uma sobrevida durante a primeira metade da década. O Y2K em especial, surge em 1999 com as expectativas quase sempre futuristas e trans-humanistas acerca do futuro.

Arte conceitual da minha próxima aventura datada em 2005.

O teen pop e o post-Grunge:

Se a raiva postiça de classe-média do grunge já era uma decantação para lá de forçada do punk, o que o sucedeu, que foi o pop punk/post-grunge era ainda mais comercial, pop e decantado de qualquer raiva. Era muito mais um blá-blá-blá pseudo romântico alguns laivos de revolta juvenil, mas quase sempre maii focada em draminhas estilo revista Capricho. Na música vimos a emergência dos grande fenômenos teen da década, no pop, Britney Spears, no rock Avril Lavine. A música da Britney era um misto de romance teen, como a música faixa do filmezinho dela (Crossroads de 2002) "I'm not a girl, not yet a woman" e insinuações sexuais para as mais desinibidas. A música da canadense, por outro lado, era uma espécie de "rock nickelodeon", falando de coisas tipicamente femininas características das meninas entre 12 e 16 anos, mas que com carisma e pinta de boa moça, soava tão inofensivo que quase nenhum pai (até mesmo alguns evangélicos) viam problemas na filha usando gravata e calça cargo ao som de sk8ter boi. Na moda, elementos do grunge ganham tons mais escuros, mas predomina o padrão da moda tomboy, desleixada e elementos xadrez na vestimenta ou calças cargo de cintura baixa, que eu particularmente ainda acho bem legais.



Logo, o post-grunge foi dando pouco a pouco espaço a algo mais "trevosinho", se é que vocês me entendem. A raiva juvenil, agora ainda mais aguada que nos anos 90, foi tomando ares de melancolia (inclusive um tanto mórbida), e as roupas pretas, maquiagens pesadas, e temas falando de morte e sofrimento começaram a dar as caras aqui e ali, para desespero dos pais religiosos e conservadores. A onda gótica teve várias mídias bem interessantes para representá-la, mas vamos falar de três obras muito interessantes que representam bem essa época.

a) Evanescence.

A rainha dos "trevosinhos", é claro, como não poderia deixar de ser, foi ela: Amy Lee. Sua banda foi a primeira a realmente se destacar e ganhar popularidade graças a conjunção de um rostinho bonito, uma voz poderosa (e bastante talento) e temas bastante maduros para jovens de 14 a 17 anos.

Ouvir Going Under enquanto joga Vampiro: A máscara no cemitério! Quem nunca?


Roupas pretas, maquiagens pesadas, peças de couro que parecem ter saido de um sex shop de sadomasoquismo. Durante um certo tempo entre 2003 e 2005 essa foi a febre entre a juventude "rockista". Vale a pena mencionar que Evanescence teve um impacto tão forte na cultura pop, que músicas da banda esteve presente em vários filmes da época, como por exemplo a saga "Anjos da Noite", "Demolidor" de 2003 com Ben Aflleck e até mesmo o filme do "Justiceiro" de 2004, estrelando Tom Jane.

b) Matrix e Anjos da Noite.

Intencional ou não, a saga Anjos da Noite trouxe um revival ao cenário World of Darkness. Não só a temática de vampiros e lobisomens abordada nos filmes era boa, mas também a estética gótica e mórbida. Lembro que logo assim que o primeiro filmes estourou minha turminha de 3D&T logo se assanhou para imprimir xérox enormes de Vampiro: A Máscara e não se falou ou jogou outra coisa durante algum tempo. A época combinava com um certo pessimismo trans-humanista e até mesmo pós-humanista, mas ao invés de neons e cyberpunk, havia um certo niilismo de fancaria e metáforas ao mundo digital. A época combinava ainda com tons escuros, e ninguém vai se esquecer da trilogia Matrix, que representava justamente a tentativa de fundir essa estética gótica, até um tanto noir, com cyberpunk e pós-humanismo. Toda a discussão sobre tecnologia, informática e a popularização da internet, que nos EUA aconteceu nos 90, mas no Brasil começa sua revolução a partir de 2003 no primeiro governo Lula, encontrou terreno fértil entre os "trevosinhos" e "trevosinhas" do período.

Você e sua namoradinha chegando na escola.


c) Demolidor: A síntese perfeita.

Apesar de em geral odiado, o filme "Demolidor" (2003), da Marvel Comics, hoje é visto mais como um instrumento de saudosismo e modelo de estética do período. Tinha tudo que a época representava. Como acho que já me alonguei demais nesse tópico (especialmente tendo tanto para falar), e como acho que imagens falam mais que palavras, deixo esse vídeo abaixo: Tirem suas próprias conclusões.

O street art e o numetal.

No Brasil ocorreu uma intersecção pouco convencional entre o cenário americano e local no universo do rock. Representado na terra do Tio Sam por Linkin Park e no Brasil por Charlie Brown Jr. (em que pese as diferenças estilísticas de ambos), a junção entre a "cultura das ruas" e o rock. Nos Estados Unidos, com letras melancólicas e levadas de rap entre guitarras distorcidas, o vocal melódico de Chester Bennington se destacava. De alguma forma ou de outra, muito da cultura do hip hop das comunidades negras americanas dos anos 90 se misturou ao rok, dando origem ao New Metal/Numetal. No Brasil o gênero não emplacou, mas isso deveu ao fato da cena do rock estar ocupada pelo Hardcore de Charlie Brown Jr, que incorporava no seu vocalista e líder, o lendário "Chorão", a figura do rockeiro skatista que pichava umas paradas no muro. Herdando muito do legado dos Raimundos que já estouravam nas rádios em 1998, Charlie Brown deu pista ainda aos Detonautas, que compuseram boa parte da cena roqueira dos anos 2000, pelo menos até meados de 2006.

O Y2K - A estética da virada do milênio:

Como eu mencionei no início, os anos 2000 ampliaram toda a expectativa que vinha sendo gestada desde os anos 80 com uma era futurista de tecnologia e progresso (ou regresso dependendo da perspectiva). A imagem que se fazia do futuro era a de cabelos coloridos, roupas prateadas, espelhada, metal cromado e robótica. As novas placas gráficas que revolucionariam a computação e os videogames, como a chegada ao mundo do Play Station 1 e depois o Play Station 2, deram inauguração a era do fotorrealismo como meta dos jogos de videogame, e da dissolução da fronteira entre o real e o virtual. 
Uau! Que gráficos! - Sim você disse isso.

Ao mesmo tempo, sistemas operacionais antigos ainda estavam em vigor no mundo todo, e por um descuido, demorou-se muito a perceber que os sistemas de datação baseado apenas dois dígitos poderiam render problemas. Esse foi o bug do milênio. O Bug do Milênio foi um erro que apavorou todas as pessoas na virada do século passado. Tudo isso devido à configuração de datas nos sistemas de computação. Já que na época, a fim de economizar memória, utilizavam-se o seguinte formato: dia/mês/ano com dois dígitos para cada um, sendo assim, 1999 era abreviado para 99 e 2000 seria o novo 00. E o medo era exatamente esse: que o computador interpretasse o ‘00’ como 1900, retrocedendo a linha temporal, ocasionando diversas falhas no sistema e, para os mais pessimistas, colapsar softwares de aeroportos, bancos, transportes e etc. A estética Y2K trouxe um desejo inconsciente e genuíno de que o bug do milênio fosse apenas um pânico bobo, sem consequências e medos reais, trazendo aquele sentimento de conforto e esperança, mesmo após o caos.
A moda Y2K - Cores chamativas, muita transparência.
Tudo ganhou tridimensionalidade e cromado.


As expectativas sobre o futuro e a visão de futuro era a de casas de vidro, cores vivas e transparentes e robótica, daí o uso e o abuso de cores metálicas e formas tridimensionais usando o grande poder de processamento das placas gráficas. Um bom exemplo de visão de futuro na perspectiva Y2K, é o filme "O quinto elemento" com Bruce Willys e Milla Jovovich.



O emo e o frutiger aero:

Assim como tudo na vida evolui, o gótico e o Y2K também evoluíram. Na segunda metade da década o gótico ficou desenxabido e hiper-focado em dramas amorosos. O Y2K ganhou mais organicidade e, a medida em as agendas ecológicas começavam a ganhar espaço, o verde e a ideia de um futuro em que capitalismo tecnologia e meio-ambiente se equilibram passaram a ser a nova tônica e visão do futuro. O emo consagrou nos EUA as bandas My Chemical Romance, Simple Plan e Green Day (apesar de muitos contestarem esses rótulos) e, no Brasil marcou a ascensão de Fresno, NX Zero e CPM22.

No design corporativo, a popularização da internet trouxe ao mundo o frutiger aero, que representava justamente essa visão de equilíbrio entre progresso e natureza, sendo um Y2K 2.0; onde o orgânico tomava o lugar do robótico e ilustrava bem o otimismo com o futuro que se viveu no mundo ocidental e na América Latina no período. No Ocidente, a crise do bug do milênio deu espaço a um período de grande crescimento econômico. Ainda que esse otimismo tenha sido frustrado pela crise de 2008 (2012 na União Européia) e pela Guerra ao Terror, fruto dos atentados de 11 de Setembro, ele ainda esteve presente, e com força, na visão otimista com a informática e com o desenvolvimento de novas tecnologias sustentáveis.
O pontapé do frutiger aero foram os lançamentos do Windows XP e a moderna interface do MSN, posteriormente chamado de Windows Live Messenger. O design foi explroado posteriormente ao máximo com o Windows 7 e o Vista.


Essa imagem é bem nostálgica e representa o ideal de uma época.

Otimismo:

Para concluir o capítulo sobre a década, é importante rememorar que no Brasil os anos 2000 foram marcados por um enorme progresso econômico e material, na medida em que o país surfou (e surfou bem) na onda das commoditties patrocinada pelo desenvolvimento chinês, o que fez nosso PIB per capita praticamente duplicar em uma década e a desigualdade despencar aos menores níveis da história brasileira. O Brasil e seus parceiros latino-americanos viveram de relance entre 2003 e 2013, algo levemente análogo ao que o mundo ocidental viveu entre 1945 e 1980 em termos de progresso material democratizado, na chamada "Era de ouro do capitalismo" do consenso keynesiano.  No Brasil ainda tivemos grandes feitos esportivos, como o pentacampeonato mundial de futebol em 2002, os títulos mundiais de clubes de Internacional e São Paulo, e a ascensão do vôlei brasileiro como uma potência olímpica. 


E a ascensão da música eletrônica, com pegadas de Summer Eletrohits, foi também uma tônica da época. Pensar em Crazy Frog, Black Eyed Peas, e outros temas musicais do período podem incrementar a imersividade da sua mesa. Referências a outras obras cinematográficas do período, como Malhação 2004 (da Vagabanda) ou a trilogia do Homem-Aranha do Sam Raimi podem ajudar a dar mais profundidade a emulação da época na mesa. No entanto, abordar tudo isso em detalhes demandaria um outro artigo tão extenso quanto esse. Sendo assim, estes são tópicos importantes para a composição da sua mesa de RPG ambientada nos anos 2000, deixo abaixo mais uma série de imagens e músicas potencialmente úteis.




 







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