Abaixo um exemplo de montagem de vídeo usando o Inshot e o Pika Labs. Utilizei efeito que simula VHS (tecnologia da época) e juntando fragmentos de 3s de vídeo.
Olá, amigos! Estamos de volta para falar de uma década complicada. Ela está fresca na memória, mas por isso mesmo é difícil falar dela pois não temos os distanciamento histórico necessário para uma leitura apropriada do fenômeno. Por isso, ambientar um RPG em 2010 possa parecer fácil devido a proximidade temporal, pode ter aí algumas armadilhas importantes. Não serei arrogante de dizer o que você deve usar, mas apenas lembrar algumas coisas do decênio.
Os anos 2010:
No Ocidente e na América Latina, a década de 2000 foi marcada por um grande otimismo devido ao crescimento econômico que se vivenciou durante a década. Esse otimismo sofreu dois grandes abalos, o primeiro dos dois foi o atentado terrorista em Nova Iorque levou abaixo o World Trade Center. A hegemonia americana construída ao fim da Guerra Fria foi posta a prova pela primeira vez. A Guerra ao Terror serviria de fator de união no mundo rico contra o atraso e o reacionarismo islâmico. O resultado foi, além de um grande atoleiro geopolítico em Iraque e Afeganistão, que pautariam as eleições de 2008 nos Estados Unidos, a completa desmoralização do ocidente devido aos inúmeros crimes de guerra, mentiras diplomáticas (quem não se lembra das "armas de destruição em massa" no Iraque?) e a total desestabilização do mundo árabe, o que levaria na década seguinte à famosa Primavera Árabe.
Do outro lado, no campo econômico, tivemos dois grandes choques: A primeira foi a crise de 2008, a segunda foi o reflexo desta na Europa, a crise da zona do Euro (2012). Na América Latina, e no Brasil em especial, tivemos o fim do super-ciclo de comoditties e as crises que se estabeleceram no continente a partir de 2013. Esses dois choques, um no final da década e o outro em seu nascedouro levariam a um enorme pessimismo (ou seria realismo?) sobre o mundo. Isso pôde ser visto em grande parte na mudança das paletas de cores no cinema, o retorno de certo anticapitalismo, e uma visão entediada de um futuro que agora era presente. Falaremos da moda hipster, as e-girls e do minimalismo estético.
O minimalismo estético:
Por alguma razão que me escapa, as empresas de tecnologia chegaram a conclusão que o ambiente otimista, colorido e meio natureba do frutiger aero não comportava mais as necessidades de identidades visuais dos principais instrumentos de tecnologia. Se os computadores foram as estrelas dos anos 2000, os 2010 foram os anos de ascensão dos celulares smartphones, que são literalmente computadores portáteis que fazem ligações telefônicas. É curioso como o mundo mudou a tal ponto que as pessoas usam os celulares para muito mais fins distintos de ligação do que ligação em si. Mandam-se emails, mensagens de whatsapp, fotos, gravações e edições de vídeo, acessa-se o facebook, o instagram e o twitter pela telinha de celular várias vezes ao longo do dia, e em algumas semanas pode-se passar dias seguidos sem fazer ou receber qualquer ligação. Para essa nova realidade, as telas dos celulares cresceram. Sumiram os botões e apareceram os touchpads digitais, e precisou-se simplificar a interface, padronizar. Num ícone 3D você tem três vetores de espaço que permitem a composição de inúmeras formas diferentes para um mesmo objeto. Num bidimensional, você tem menos possibilidades e, por isso, a padronização e repetição tendem a ser maiores. Essa é minha hipótese pro minimalismo, necessidade de padronização estética e economia de memória.
Antes
Depois
Aí é que surge nos meados de 2013 o design minimalista: formas chatas, bidimensionais, com tonalidades pastel, e formas abstratas cheias de quinas. O Windows e o Android foram os mais visivelmente impactados pela nova organização ideovisual do ponto de vista estético.
Uma vez que se junta isso ao contexto histórico mencionado na abertura desse artigo, percebe-se claramente que se os 2000 versavam sobre o futuro, os 2010 eram o futuro, e havia algo de errado com ele. Ele era menos vivo, menos brilhoso e um pouco aborrecido. O frutiger aero dizia:
- O futuro será brilhante, transparente, equilibrado.
O minimalismo diz:
- O futuro é agora e é entediante.
O otimismo dos 2000 foi substituído por um certo pessimismo, talvez uma certa decepção com as promessas dos 2000 de um mundo clean e em equilíbrio. No seu lugar vimos a piora das mudanças climáticas e uma sequência de crises econômicas e sanitárias que derrubaram os velhos consensos sobre democracia e liberdade.
O mundo construído por Francis Fukuyama ruiu ou sequer existiu? A História voltou.
Ameaças de guerra, um certo pessimismo distanciado, bucólico e até melancólico passou a ser a tônica de muitos filmes, como por exemplo, The Amazing Spiderman (estrelando Andrew Garfield e Emma Stone), observe a paleta de cores e John Wick (com Keanu Reeves):
No caso da duologia estrelada por Garfield e dirigida por Marc Webb, a coisa é até gritante, especialmente se compararmos com a trilogia do Sam Raimi, super colorida. No caso de John Wick vimos a recuperação da estética noir que parecia a muito aposentada desde "Matrix Revolutions". Nem mesmo a trilogia do Batman do Nolan foi tão sombria, em muito se afastando das temáticas góticas de obras anteriores e dando uma forte camada de verossimilhança ao homem-morcego.
Uau! Cores!
Algumas pessoas preferem dizer que os 2010 foram uma época de realismo motivado pelo desencanto com as promessas do 2000. Talvez tenham razão. Seja como for, o otimismo deu lugar ou a um realismo ou a um certo pessimismo melancólico. No fim da década, isso resultaria numa forma colorida de negação da realidade, muito endossada pelo que os conservadores chamam de "cultura woke". Mas falaremos disso no final.
Os Hipsters e as e-girls:
Ainda bem que essa bosta passou...
A subcultura e a estética hipster sempre me despertou certa curiosidade. Porque a princípio ela me parece uma variação do vintage, engendrando em si própria uma série de elementos anacrônicos e inconsistentes. Pense num hipster: pensou num cara magricela de barba estilizada, camisa xadrez de flanela, colete, chapéu côco bowler e um óculos quadrado verde? Eu também. Um dos símbolos mais fortes do hipster é que ele sempre procura – como bom filho da cultura vintage – o anacronismo como forma de mudar seus hábitos e vestimentas. Procura-se o uso de palavras mais antigas, mistura-se elementos contemporâneos como tatuagens com penteados, roupas e óculos da década de 20, 30 ou até 40. Tudo isso de forma contrastante como um sinal de continuidade entre passado e futuro, como alguém sempre no presente ou alguém atemporal. François Hartog, um filósofo pós-moderno da história chama a atenção para isso, como notam os também historiadores Júlio Bentivoglio e Patrícia Merlo (2014, p.23):
“Essa apropriação do passado pelo presente constitui aquilo que Hartog denominou presentismo. O revival, o vintage, o uso de estilos estéticos, linguagens e objetos do passado no presente são marcas desse presentismo e de crise desse regime moderno de história e historicidade”.
Mas de que crise falam os professores da UFES ao se referir a François Hartog? Apelando ao crítico literário Hans Ulrich Gumbrecht (apud Merlo e Bentivoglio, 2014, p.24), ambos relacionam essa crise com o medo do futuro, pois conforme o próprio Hartog concordaria “o futuro reserva mais ameaças que exatamente promessas de felicidade e progresso”. Assim sendo, a impressão que eu tenho é que esse pessimismo foi a tônica da época. Do outro lado, vimos a emergência de uma filha mais depravada e carente de atenção da subcultura emo: As e-girls.
Essas proles dos anos 2010 acabaram sendo relacionadas ao tipo mais tóxico de mulher para se relacionar com o tempo, um bom exemplo é o filme "Scott Pilgrim contra o mundo" onde o protagonista tem que passar por cima de catada ex-namorado-metafórico de Ramona Flowers (uma e-girl com certa tendência a promiscuidade) para conquistar a donzela encantada. (Em que pese achar extremamente curioso essa contradição de uma abordagem tão progressista para uma personagem se valer de um enredo tão pobre e conservador. Mas enfim...) As e-girls são um grupo de pessoas, geralmente mulheres, que se expressam através da internet, especialmente nas redes sociais. Elas são conhecidas por seu estilo de moda e maquiagem distintos, que muitas vezes incluem cabelos coloridos, roupas inspiradas em animes e jogos, além de maquiagem pesada e estilos de sobrancelha únicos. As e-girls também podem ser associadas a certos comportamentos online, como ser attention whore e ter uma série de daddy issues. Seja como for as e-girls viraram alvo da fúria de grupos masculinistas e da machosfera por serem a a imagem modelo da causa de todos os seus problemas (oi?). Ou seja, aquele pessimismo choroso das emos sobre relacionamento acabou dando lugar a um tipo de fetiche sexual sadomasoquista ou algo assim.
Belle Delphine é um caso clássico. De influenciadora e menina gamer a atriz pornô foi um pulo.
O colorido: a alegria postiça como negação e o fenômeno Marvel:
O que nasceu com filmes bem realistas em geral, como os do Capitão América (O primeiro Vingador) e o Homem de Ferro de 2008, acabou se convertendo no final de 2019 numa batalha cósmica com heróis de uniformes coloridos, laseres e efeitos especiais brilhantes e fosforescentes contra um alien roxo e tudo isso com um guaxinim e uma árvore falante no meio. Não tem como falar da década de 2010 sem falar da ascensão do maior Império da cultura nerd já criada em muito tempo: O MCU. Pari passu com isso vimos Coldplay sair da banda melancólica dos anos 2000 e se tornar um protótipo de música baladinha de "boy magia" de floripa: Uma coisa medonha!
O fato é que toda a melancolia suave e pessi-realismo dos anos 2010 acabaram enchendo o saco e com tanta coisa acontecendo no xadrez geopolítico, e uma pandemia, e uma década perdida, e mais crise econômica, e reestruturação de economias que resistiram a sair dos marcos do neoliberalismo só poderia dar numa onda de negação (seja da realidade ou da política). Bastava-se votar num novo "anjo vingador" outsider (Bolso-Trump) que vai resolver todos os nossos problemas e ir pro cinema comprar pipoca no copo do Homem de Ferro ver mais um filminho de herói cheio de bonequinhos de CG. E, no fim de semana, ir pra baladinha ouvir mais uma música colorida do Coldplay.
Quem são vocês e o que vocês fizeram com a banda que compôs Fix You?
Não é por outra razão que Alan Moore chamou a atenção de que super-herói estava virando coisa de facho. A própria esquerda em grande medida aderiu ao fim e ao cabo a lógica de marvelização da política, tratando seus rivais de extrema-direita como vilões de livro e filme adolescente, O #EleNão bebeu na fonte de Harry Potter, que transformou Voldemort numa entidade cujo nome "não deve ser falado". Por fim, a eleição de 2020 nos EUA, e 22 no Brasil viraram uma luta do bem contra o mal, que se por um lado até faz algum sentido, visto que de um lado havia um genocida. Não passa de mais uma idealização bocó da realidade baseada numa novelização (ou marvelização) da política na qual deve-se necessariamente encontrar vilões e mocinhos, sem que haja qualquer degradê em tons de cinza. Haja saco! Não é de se estranhar que de todo esses espetáculo a negação da esfericidade da terra, das vacinas e das urnas eletrônicas tenha se desenvolvido como uma força política, afinal, começou tudo como uma negação da realidade de gente que se recusava a aceitar o realismo minimalista dos 2010.
Esse pode ser um bom espírito para sua mesa de RPG, caso você queira fazer sua aventura tipo, no mesmo ano de um certo jogo de semifinal de Copa do Mundo em 2014 no Brasil. Se será realista ou pessimista é com você!
Olá, amigos! Cá estamos nós de novo para relacionar o RPG e a estética de uma época. É particularmente curioso que, apesar de receber poucos feedbacks diretos sobre os artigos, eles têm tido um retorno em visualização muito acima da média. Tenho tomado isso como um sinal de que tem muita gente interessada tanto no tema RPG e Estética, quanto só em estética. Seja como for, continuarei escrevendo enquanto tiver assunto para falar e as visualizações seguirem dando um retorno positivo.
Os anos 2000 foi a "minha época de ouro" digamos assim. Portanto, será muito difícil falar dela sem que eu me envolva emocionalmente e a imparcialidade será algo muito difícil. Graças em grande parte a minha memória afetiva com o período, que eu criei o meu cenário de mistério e terror chamado de "O Sopro", o qual ainda não divulguei aqui mas o farei em breve. Como disse no primeiro artigo (o que deu início a todo esse palavrório improfícuo), ele se trata da junção elementos de low fantasy ao estilo Harry Potter com Terror e estética Y2K e frutiger aero (as quais veremos aqui), por conta de muito dos seus eventos-chave se passarem entre os anos de 1998 e 2006. Aquilo que eu apreciar bastante nos anos 2000, mas que nem de longe for algo representativo da década, mas apenas uma particularidade minha, tentarei suprimir ou, quando muito, mencionar nominalmente.
Os Anos 2000:
As estéticas dos anos 2000 recebem várias heranças dos 90, e passam por tantos tópicos diferentes que daria vários artigos desse. Mas tentarei me focar nos mais importantes. O grunge e o Y2K são estéticas herdadas dos 90 que têm uma sobrevida durante a primeira metade da década. O Y2K em especial, surge em 1999 com as expectativas quase sempre futuristas e trans-humanistas acerca do futuro.
Arte conceitual da minha próxima aventura datada em 2005.
O teen pop e o post-Grunge:
Se a raiva postiça de classe-média do grunge já era uma decantação para lá de forçada do punk, o que o sucedeu, que foi o pop punk/post-grunge era ainda mais comercial, pop e decantado de qualquer raiva. Era muito mais um blá-blá-blá pseudo romântico alguns laivos de revolta juvenil, mas quase sempre maii focada em draminhas estilo revista Capricho. Na música vimos a emergência dos grande fenômenos teen da década, no pop, Britney Spears, no rock Avril Lavine. A música da Britney era um misto de romance teen, como a música faixa do filmezinho dela (Crossroads de 2002) "I'm not a girl, not yet a woman" e insinuações sexuais para as mais desinibidas. A música da canadense, por outro lado, era uma espécie de "rock nickelodeon", falando de coisas tipicamente femininas características das meninas entre 12 e 16 anos, mas que com carisma e pinta de boa moça, soava tão inofensivo que quase nenhum pai (até mesmo alguns evangélicos) viam problemas na filha usando gravata e calça cargo ao som de sk8ter boi. Na moda, elementos do grunge ganham tons mais escuros, mas predomina o padrão da moda tomboy, desleixada e elementos xadrez na vestimenta ou calças cargo de cintura baixa, que eu particularmente ainda acho bem legais.
Logo, o post-grunge foi dando pouco a pouco espaço a algo mais "trevosinho", se é que vocês me entendem. A raiva juvenil, agora ainda mais aguada que nos anos 90, foi tomando ares de melancolia (inclusive um tanto mórbida), e as roupas pretas, maquiagens pesadas, e temas falando de morte e sofrimento começaram a dar as caras aqui e ali, para desespero dos pais religiosos e conservadores. A onda gótica teve várias mídias bem interessantes para representá-la, mas vamos falar de três obras muito interessantes que representam bem essa época.
a) Evanescence.
A rainha dos "trevosinhos", é claro, como não poderia deixar de ser, foi ela: Amy Lee. Sua banda foi a primeira a realmente se destacar e ganhar popularidade graças a conjunção de um rostinho bonito, uma voz poderosa (e bastante talento) e temas bastante maduros para jovens de 14 a 17 anos.
Ouvir Going Under enquantojoga Vampiro: A máscara no cemitério! Quem nunca?
Roupas pretas, maquiagens pesadas, peças de couro que parecem ter saido de um sex shop de sadomasoquismo. Durante um certo tempo entre 2003 e 2005 essa foi a febre entre a juventude "rockista". Vale a pena mencionar que Evanescence teve um impacto tão forte na cultura pop, que músicas da banda esteve presente em vários filmes da época, como por exemplo a saga "Anjos da Noite", "Demolidor" de 2003 com Ben Aflleck e até mesmo o filme do "Justiceiro" de 2004, estrelando Tom Jane.
b) Matrix e Anjos da Noite.
Intencional ou não, a saga Anjos da Noite trouxe um revival ao cenário World of Darkness. Não só a temática de vampiros e lobisomens abordada nos filmes era boa, mas também a estética gótica e mórbida. Lembro que logo assim que o primeiro filmes estourou minha turminha de 3D&T logo se assanhou para imprimir xérox enormes de Vampiro: A Máscara e não se falou ou jogou outra coisa durante algum tempo. A época combinava com um certo pessimismo trans-humanista e até mesmo pós-humanista, mas ao invés de neons e cyberpunk, havia um certo niilismo de fancaria e metáforas ao mundo digital. A época combinava ainda com tons escuros, e ninguém vai se esquecer da trilogia Matrix, que representava justamente a tentativa de fundir essa estética gótica, até um tanto noir, com cyberpunk e pós-humanismo. Toda a discussão sobre tecnologia, informática e a popularização da internet, que nos EUA aconteceu nos 90, mas no Brasil começa sua revolução a partir de 2003 no primeiro governo Lula, encontrou terreno fértil entre os "trevosinhos" e "trevosinhas" do período.
Você e sua namoradinha chegando na escola.
c) Demolidor: A síntese perfeita.
Apesar de em geral odiado, o filme "Demolidor" (2003), da Marvel Comics, hoje é visto mais como um instrumento de saudosismo e modelo de estética do período. Tinha tudo que a época representava. Como acho que já me alonguei demais nesse tópico (especialmente tendo tanto para falar), e como acho que imagens falam mais que palavras, deixo esse vídeo abaixo: Tirem suas próprias conclusões.
O street art e o numetal.
No Brasil ocorreu uma intersecção pouco convencional entre o cenário americano e local no universo do rock. Representado na terra do Tio Sam por Linkin Park e no Brasil por Charlie Brown Jr. (em que pese as diferenças estilísticas de ambos), a junção entre a "cultura das ruas" e o rock. Nos Estados Unidos, com letras melancólicas e levadas de rap entre guitarras distorcidas, o vocal melódico de Chester Bennington se destacava. De alguma forma ou de outra, muito da cultura do hip hop das comunidades negras americanas dos anos 90 se misturou ao rok, dando origem ao New Metal/Numetal. No Brasil o gênero não emplacou, mas isso deveu ao fato da cena do rock estar ocupada pelo Hardcore de Charlie Brown Jr, que incorporava no seu vocalista e líder, o lendário "Chorão", a figura do rockeiro skatista que pichava umas paradas no muro. Herdando muito do legado dos Raimundos que já estouravam nas rádios em 1998, Charlie Brown deu pista ainda aos Detonautas, que compuseram boa parte da cena roqueira dos anos 2000, pelo menos até meados de 2006.
Continuando o aqui aclamado post sobre estética e RPG, vou falar hoje sobre a década de 90. Quem acompanhou os últimos dois posts já captou o espírito do que tenho falado. Alguns gêneros de RPG se beneficiam em muito de um recorte temporal mais realista e bem pesquisado. Hoje, com Firecast, Roll20, Foundryet cetera, criar materiais para auxiliar na imersão é muito mais fácil que na longínqua aurora dos anos 2000 onde a internet ainda estaca se popularizando. Temos muito mais recursos a mãos como muita informação democratizada e compartilhada no Youtube, no Google, programas de edição de vídeos e imagem, IA de imagem e vídeo, enfim. Tudo o que é absolutamente necessário para criar materiais únicos e representativos para dar uma cara única e uma voz autêntica ao seu RPG.
Hoje falaremos dos anos 90, e os recortes estéticos que podem auxiliar você a compor uma aventura que se passe nessa década entre 1990-1999. É importante lembrar, todavia, que os fenômenos humanos, como a cultura em geral, a moda, as visões de mundo não respeitam o ano-calendário, e muito do que foi a voz e a estética dos 90 começou nos 80 como underground, e o mesmo vale para os 2000 que veremos mais adiante. E ao longo dos 90 tendências dos 80 subsistiram durante algum tempo como símbolo de uma época passada que resiste a morrer.
Os anos 90:
Nos anos 90 nós não tivemos uma única temática, mas várias igualmente importantes. É necessário lembrar que os 90 foi a ruptura definitiva com o mundo da geração perdida (os filhos da Grande Depressão e que viveram as guerras mundiais). As sociedades tradicionais que ali existiam, baseadas em privilégios de classe, casta ou religiosas, deram seu último e derradeiro suspiro com a derrocada do nazifascismo. Mas os 90 foram além, eles decretaram o fim do mundo dividido em Comunismo e Capitalismo, liberando assim forças políticas heterogêneas no campo democrático, mas que estavam pragmaticamente unidas contra a "ameaça vermelha", e não podiam por necessidade contextual se manifestarem plenamente em suas formas por causa do "inimigo comum". Assim, a ruptura que se acenava no Maio de 68, a geração dos hippies, e a ascensão do Rock e do Metal nos 80, chegaram a se consolidar com os primeiros sinais do naufrágio do comunismo soviético e, por fim, a queda do muro de Berlim (1989) e a queda da União Soviética em 25 de Dezembro de 1991.
Os 90 nascem com a promessa de um mundo unipolar onde a democracia e o liberalismo econômico eram por fim, o estágio final hegeliano da humanidade. Hoje soa ingênua essa visão, sobretudo após a ascensão da China, do Sul Global e a invasão da Ucrânia pela Rússia, Mas esse era o zeitgeist do início dos 90.
A moda Graffitti/Culture Jamming:
Gestada nas comunidades negras americanas, a cultura Graffitti é marcada sobretudo pela estética artística das pichações nos bairros carentes. Na moda sua marca eram casacos e blusas esportivas, normalmente de basquete, largas e coloridas. Provavelmente você já viu o Will Smith se vestindo assim no "Um maluco no pedaço", especialmente se você é um millenial.
Repare na tipografia e penteados
É importante lembrar que para as comunidades negras americanas, essa forma de se vestir muito característica das primeira metade dos anos 90, não era apenas fashion, mas em muito era uma cultura de contestação sobretudo das desigualdades raciais nos Estados Unidos (Culture Jamming).
Memphis Design:
Uma sobrevivente dos anos 80, a Memphis Design foi uma versão muito suavizada e 2.0 do Vaporwave, com muito colorido e tipos marcados sempre fazendo referência a tecnologia, mas sem a marca do pessimismo pós-humanista da década anterior. Ela ganha contornos menos "anticapitalistas" com a sua absorção pelo mercado na forma não apenas de produtos para cultura pop, mas também com a revolução da informática representada pelo lançamento do Windows 95 e pelos consoles portáteis como o Gameboy e o Gameboy Advanced da Nintendo. Esse estilo artístico será incorporado também ao WordArt.
O futuro era colorido e tecnológico. O Memphis Design é uma espécie de avô do Neubrutalismo que é uma das tendências concorrentes a substituir o atual minimalismo estético. Portanto, usar imagens do período, gerar imagens e conteúdos com essas temáticas para os journals do seu RPG pode criar uma grande imersão.
O Grunge
O Grunge é a evidência perfeita de que as estéticas dominantes de uma época não necessariamente nasceram nessa época. O Grunge chega ao seu auge nos 90, mas ele se forma nos subúrbios de Seattle como música, mas também expressão estética. O clipe de Smells Like Teen Spirit do Nirvana é um excelente corolário e mostruário do grunge enquanto estética.
Observe as roupas, os cabelos, a agressividade postiça de um jovem de classe média. Esse é o espírito do grunge. Ele nasce nos anos 80, mas seu estouro será na segunda metade dos anos 90 e ainda persistirá até a primeira metade dos anos 2000. O grunge é caracterizado por guitarras pesadas, distorcidas, vocal estourado, gritado, uma forma mais sofisticada em relação ao punk, perfeita para o mercado musical dos anos 90. Na moda é caracterizada por roupas desleixadas, meninas que escandalizavam pais conservadores se vestindo como meninos, camisas de botão xadrez e "Mom Jeans" (moda Tomboy).
Dawson's Creek - Sucesso entre os adolescentes dos anos 90 e uma vitrine da moeda Grunge
Meu post sobre estética como categoria do RPG recebeu muitas visitas recentemente, o que pode refletir um certo interesse do pessoal pelo assunto. Ótimo. Este é um dos meus assuntos favoritos. A maioria dos jogadores se contenta em ficar no universo da fantasia medieval e não costuma se fazer muitas perguntas sobre o que existe além das fronteiras da fantasia medieval. Eu chamo isso de "Síndrome do D&D". Sabe aquele tipo prototípico de jogador que começa no hobby pelo D&D e nunca sente o chamado de conhecer outras coisas? E que quando troca de sistema continua no universo D20? Se você está aqui provavelmente você não é um deles.
O desejo de ler coisas assim reflete muito a possibilidade de aumentar a imersão em outros tipos de contextos quando o assunto é jogo de interpretação. Talvez visitar o clima noir de Arkham em "O Chamado de Cthulhu" ou a pegada retro-gótica de um "Vampiro: A Máscara", ou você é um desses jogadores de sistemas genéricos que gostam de adaptar tudo e todos os tempos e gêneros (caso deste que vos escreve). Então, bem-vindo ao grupo, seja qual for o seu caso. Este artigo será a parte 1 de vários que escreverei sobre a abordagem.
Como dito no artigo acima referido, não dá para falar totalmente de estética como categoria do RPG de mesa, sem falar do conceito de recorte temporal. "Cada época tem a sua estética", basta pensar na estética hard rock/vaporwave dos anos 80; para uma melhor visualização, pense em "Stranger Things", ou o formalismo quase militar dos anos 40.
Mas mais do que isso, cada época tem o seu "afeto", isto é, o tipo de mensagem emocional e visão de mundo que cada período passa sobre sua realidade e expectativas, quase que como uma dimensão simbólica e tradução ideográfica de sua visão de mundo. Para quem quiser se aprofundar nisso, recomendo o pensamento do filósofo Paul Ricoeur. Uma tendência constante do pensamento estético ocidental e, por tabela, latino-americano, é o futurismo. Ou, melhor dizendo, a imagem que cada geração faz do futuro. Retomando os anos 80, veremos abaixo como cada estética gerou de alguma forma ou um gênero literário/cinematográfico ou influenciou cada geração.
Anos 80:
O Vaporwave é uma visão de futuro criada no final dos anos 80 e início dos 90 que reflete a ideia do futuro para aquela geração. Por mais que não pareça, há um clima de "foda-se tudo" na imagem. Esse é o período em que os hippies dos 70s se tornam yuppies. O início da disseminação da informática e dos computadores no mundo rico, a ascensão do neoliberalismo e o fim do welfare state, aliou-se a disseminação das drogas ilícitas, que na década passada, estava restrita a círculos mais contestadores da juventude progressista, e é claro! Neon. Muito neon. Na estética sonora, o vaporwave teve como filho o synthwave, ou seja, a imagem do futuro não seria para aquela geração, a do Rock, com quarteto: vocal, guitarra, baixo e bateria, mas sim algo sintético, eletrônico, menos humano, como um teclado sintetizador. Abaixo, uma playlist de synthwave para você curtir a época:
O filho dessa visão de mundo foi, como não poderia deixar de ser, o cyberpunk, que justamente reflete todos os valores e desvalores dessa época. A alienação de saber-se impotente contra a exploração econômica e a degradação moral, a desesperança com a humanidade e o fatalismo de "foda-se tudo", já que, como não há saída para o iminente fim do humano, entreguemo-nos aos prazeres e ao amor livre.
Paralelo ao cyberpunk havia um certo presentismo como estética de contestação, o que eu chamo de estética hard rock, que é uma sobrevida, uma versão 2.0 e reminiscente do período anterior baseado no conceito de "Sexo, Drogas e Rock'n'roll".
Ou seja, no seu RPG, caso seja ambientado nos 80, explorar o choque entre as duas visões de mundo baseada nesse choque ideográfico pode ser extremamente eficiente para imersão.
No livro básico de REALITATE, na página 46 onde apresentamos o cenário do sopro, descrevemos um importante personagem, que é Archier de Lima Ribeiro. Ex-namorado de Daniele De La Viña, ele é filho bastardo deum dos membros da família Ribeiro, e portanto herdeiro de direito de sua parte do segredo mantido a 7 chaves por ela. No entanto, como visto no livro básico, ele não sabe da verdade e isso se deve em parte ao fato de Daniele ter rompido com ele quando ele se aproximou demais da realidade. No entanto, expandindo um pouco o lore desse personagem, ele não é nem de longe o professor de história pacato que aparenta ser. Na realidade, Archier está ciente de que coisas estranhas ocorrem na cidade e de que pessoas desaparecem misteriosamente e/ou aparecem mortas esporadicamente por congelamento dos órgãos internos ou terríveis lacerações. E, dos "de fora", ao lado da delegada Jordan, ele parece ser um dos poucos realmente interessados em fazer alguma coisa a respeito.
Durante as noites, Archier age como o "Observador", uma espécie de vigilante noturno, furtivo, sempre a espreita observando o comportamento estranho de pessoas influentes em Serra do Lago e investigando em paralelo o desaparecimento e morte de pessoas que misteriosamente acontece na cidade. Embora forte, fisicamente bem preparado e relativamente bem equipado, estaria Archier preparado para a terrível e desesperadora verdade cósmica por detrás do segredo das oito famílias?
No livro básico apresentamos a ficha de Archier quando era um simples professor, depois dos acontecimentos estranhos n'O Colégio dos Pioneiros envolvendo dois forasteiros e a filha do diretor, Archier decidiu agir e se tornou o Observador. As oito famílias já estão atentas ao aparecimento dessa figura misteriosa, e muitos já se sentem ameaçados por ela. Perto do Observador, a delegada Jordan parece uma grata surpresa do destino. Abaixo a ficha dele como o vigilante noturno.
O Observador (GURPS 4e)
ST
11
PV
11
Vantagens
DX
11
PF
11
Bom Senso (10), Hipoalgia (1), Reflexos em Combate (15), Estabilidade no emprego (5), Treinado por um mestre (30), Arqueiro Heróico (20), Rastreamento ampliado 1 (5), Pendulear (5)