Hana surgiu no cômodo no fundo da casa de madeira a beira do lago em Serra do Lago. O ano era 2008, um pedaço da linha do tempo que ela deveria conhecer como a toda a história, mas que para ela era um borrão desde que ascendeu ao trono da solidão.
O deus adolescente estava sentado ao pé de uma máquina de escrever.
— Confesso que fiquei pensativa de por que você escolheu empoderar o mendigo, reescrever a história dele ao invés de simplesmente apagar Soo-Jin da existência.
O adolescente continuou escrevendo, em silêncio.
— Como ousa me ignorar? Sabe que poderia apagá-lo.
— Se se deu ao trabalho de vir até mim é porque não o fará. E nem tem permissão para isso.
— Isso é blasfêmia. — Hana pontuou.
O deus adolescente continuou escrevendo e simplesmente respondeu ao fim:
— Enquanto estiver nesse ponto do tempo, saberá menos do que eu.
— Como fez isso? Como você, sendo muito menos poderoso do que eu conseguiu nublar minha visão dessa linha do tempo.
— Ao contrário de você ainda sei meu lugar no Ars Arcontium, e seu mestre me agraciou com uma névoa que nem seus olhos podem ver além dela com clareza.
— Não tenho mestres. — Hana pontuou numa risada seca.
— Aqui eu sou onisciente, você não. Você sabe que não é verdade. Esqueceu-se de Ikuir-Tupaan? É em nome dele que toda Trader exerce seu poder. E você não pode me apagar, porque o escritor é sempre um sacerdote da Luz Primordial. E isso significa que seu mestre sabe que você está tramando.
Hana se irritou, mas recolheu seu furor numa feição atemporal e etérea.
— Você pode ter se mesclado ao logos desse garoto, mas um dia eu vou te arrancar daí, e lançarei você ao Abismo.
O deus adolescente continuou escrevendo.
— Devia ter aceitado a desumanização e a solidão. É um mecanismo de autocorreção. A solidão é um desincentivo a buscar o a apotheosis. A desumanização, que leva todo deus a se tornar uma calculadora em agonia, é um mecanismo que preserva a sanidade e o raciocínio limpo.
As teclas voltaram a ser batidas.
— Ao escolher manter sua humanidade, mantendo seu poder ativo constantemente só tornou você fraca, e expôs seu logos humano, sua mentalidade humana a uma infinitude de tempo na solidão. Isso fez de você uma deusa louca. E sempre que isso ocorre, não termina bem.
— Veremos... Veremos... - Ao dizer isso Hana se desmanchou no ar como linhas de luz.
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