Arthur Ribeiro
Serra do Lago, 15 de Maio de 2006, 20:45.
Mas este era um dia diferente. Era perto da meia-noite, ela ainda estava no seu escritório minimalista, moderno, com largas janelas de vidro e poucos adereços, posicionada atrás do velho castelo de Gonçalo, onde ela podia ver o vasto bosque de eucaliptos ao fundo. Em sua sala, de paredes escuras iluminada em tons dourados por lâmpadas de paredes, ela acompanhava a movimentação na base em todos os níveis por várias câmeras e monitores. De 15 em 15 minutos, entrava em contato com Jean-Pierre Montreux, um homem negro, alto, forte, militarmente capacitado, e que por acaso era o líder dos sentinelas - sua guarda de elite - elegantemente trajando fardas brancas, e o haitiano dava o relatório do perímetro. Os guardiões - equipe secundária - que trajava fardas pretas - estavam nos arredores do colégio em carro a paisana. Três soldados, atentos, aguardavam pacientemente o desfecho do ataque dos karpovitas. Numa tela menor, Breen acompanhava o setor de contenção.
Era por volta de 20:45, quando no final das apresentações da Feira de Artes no Colégio, os guardiões deram sinalização de que uma horda karpovita havia nocauteado o vigia da guarita, aberto a cancela e arrombado o portão principal. Às 21h, os guardiões reportaram que havia um policial nas dependências da instituição de ensino, e às 21:05, reportaram a invasão do ginásio pelo telhado. Breen sorriu, seu plano estava funcionando. Às 21: 07, Breen ordenou a Montreux que destacasse três de seus homens para ir fazer uma visita a um radialista enxerido, David Monsalve, na rádio comunitária.
- Presidente! - Exclamou o comandante de infantaria dos guardiões, Moisés Bereshit - Ouvimos um disparo no recinto.
- Bereshit, mantenha posição. Mande o tenente Ibarra se aproximar, preciso de um relatório do que está acontecendo. - Ordenou a mulher.
No fundo do comunicador, o som das ordens gritadas se ouviu.
Mais quarenta segundos se passaram e Ibarra pessoalmente reportou-se à presidente.
- Presidente Breen, a situação é caótica. Alunos e pais fugiram em pânico. Petrov está negociando com o policial em um português sofrível.
- Aguardem. Não temos interesse na morte de ninguém. Algum sinal da agente Sándor?
- Não senhora. Segundo o praça Miranda, ela saiu com Marisa Costa a dois minutos atrás.
Breen sentiu a raiva subir pela espinha, seu rosto ruborizou-se.
- Como nosso principal alvo saiu e ninguém me avisou? - Gritou ela, no comunicador.
Um silêncio constrangedor se pôs entre eles antes de ser cortado pela voz gaguejante de Ibarra:
- Nós a perdemos de vista, e quando a vimos sair logo percebemos a presença dos karpovitas. Tudo foi muito rápido.
Breen socou a mesa e urrou de raiva enquanto clipes e canetas vibravam com impacto na mesa metálica. Sua raiva, porém, não foi plenamente desenvolvida. Antes mesmo de pensar em alguma contramedida, Ibarra interrompeu:
- Disparos! Há intensa troca de tiros no recinto!
- Destalhes, Ibarra! Agora! - Ordenou ela.
- Petrov se teleportou após transformar em pedra alguns alunos que ainda estavam de curiosos no recinto! Permissão para agir?
- Não! Preciso de um relatório completo! - Gritou Breen.
Seu plano estava indo por água abaixo. O que poderia ter dado errado? Ela era uma contista premiada na universidade. Isso não fazia dela nenhum Tolkien, obviamente, mas ela sabia como encadear palavras e conhecia as principais técnicas. Odiava Shakespeare, amava Chaucer e também Fitzgerald. Ela havia escrito na Hamington, não havia? Será que o fato da máquina estar com seus poderes enfraquecidos foram a causa desse desastre? Ela afastou esse pensamento. "Não, mesmo enfraquecida, a Hamington ainda é muito poderosa". Repassou mentalmente seu plano, que aliás, era simples: Usar as paranóias de Petrov para forçar o grupo de Sándor e os Karpovitas entrarem em conflito entre si. Assim ela poderia negociar em posição de vantagem com o grupo de Sándor: "Deixem o escritor e a Hamington sob custódia do Departamento, e nós enviamos a cavalaria para ajudá-los, uma vez com Petrov em custódia, ela poderia voltar sua atenção ao líder maior do karpovismo: Mikhail Ulianov". Breen não tinha interesse nenhum em um conflito com as oito famílias, ainda que elas estivesse enfraquecidas desde o colapso d'O Sopro em 2005.
- Há pessoas petrificadas no recinto, uma menina petrificada foi atingida por disparos, e o policial e uma estudante muito hábil estão lutando. Estão encurralando os karpovitas! Incrível! Nunca tinha visto nada assim! - A exclamação de Ibarra soava como o de uma criança assistindo uma luta de anime.
- Estão em vantagem numérica? - perguntou Breen.
- Nada disso! São 2 contra 6 dos karpovitas! A menina está encurralando parte da horda num canto, e apesar de muito ferido, o policial sozinho derrotou... Minha nossa! - O espanto de Ibarra era genuíno. O som de uma explosão se ouviu no fundo.
- O que aconteceu!? - Perguntou Breen, o medo saltava na sua voz.
- Um karpovita foi lançar um projétil preternatural e o disparo do policial fez a coisa explodir na mão dele, o cara foi completamente desintegrado vivo! - Explicou Ibarra. - Uma morte horrível! - Completou.
- Entrem agora! Agora! - Gritou Breen temendo que a situação ficasse ainda pior do que já estava.
Ordens gritadas foram ouvidas no comunicador. E em segundos Miranda e Ibarra entraram estourando as janelas do ginásio. Bereshit estava do lado de fora para pegar os desgarrados.
O tiroteio durou mais um pouco até que dois karpovitas fugiram, ambos acabaram nocauteados e detidos pelo Departamento graças a tiros de baixo calibre de Bereshit. Apesar de ter dois deles em mãos, para Breen a operação havia sido um desastre completo. Mesmo que Montreux tivesse anunciado a custódia de Monsalve pelo comunicador, era difícil manter aquela zona oculta. Breen caminhou até um armário, abriu um fundo falso, e pegou um garrafa de vinho do Porto. Precisava molhar a garganta. Montreux entrou em contato no momento em que ela ia se servir:
- Presidente, Monsalve está numa cela de interrogatório no centro de operações no subsolo do píer, conforme orientado por si.
- Ótimo. estarei aí em 30 minutos, preciso controlar a situação no Colégio. Câmbio, desligo!
Breen serviu-se uma taça generosa. Virou a primeira sem nenhuma classe. Deu um murro na mesa. Serviu-se, e novamente, e do mesmo modo virou a segunda. Pareceu se acalmar por alguns minutos. Ficou pensativa e cabisbaixa. Os 30 minutos se passaram, algumas horas se passaram, assim. Seu comunicador, removido da orelha, apitava com os contatos sem resposta de Montreux. Ela parecia estar vivendo sua própria Guantánamo.
Sua introspecção só foi quebrada, quando efetivamente começou a pensar numa contramedida, mas mesmo isso se mostrou insuficiente, pois como se nada pior pudesse acontecer, ela entrou em pânico ao ver numa tela ela a delegada Jordan no local do combate, e - pior ainda! - no outro monitor (o menor) o alarme na sala do escritor soar. Ela se levantou, esvaziou a taça de vinho, e foi até a mesa. Era meia-noite, e mesmo sem entender como ou porquê ela assistiu suando frio a Brooklet, Marisa e Sándor juntos dentro da cela de contenção. Havia um tipo de portal aberto atrás delas, e imediatamente, um outro surgiu dando para fora da cela de contenção. Desesperada, Breen apertou o botão vermelho! Nenhuma contramedida poderia ajudá-la naquele momento. Era hora do tudo ou nada, ela despejaria poder de fogo em qualquer um que invadisse a base e, mais ainda, em quem se aproximasse da Hamington.
Após o clique no botão, um alarme barulhento começou a soar, luzes vermelhas a piscar. Uma voz robótica começou a gritar nos alto-falantes: "Atenção! Isso não é um teste! Falha de contenção! Falha de contenção! Setor de Contenção em Lockdown!'. Breen havia sido passada para trás - Disso ela tinha certeza - Mas como?
Continua...